DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Sexta-feira jantei com amigos: 16 pessoas sentadas. A certa altura, reparei: no outro extremo, falava-se a meia voz de um tema misterioso e empolgante. Invejo sempre o lado da mesa onde se ri com estrépito, mais ainda aquele em que se fala baixo. Não resisto, nunca resisti a um segredo, a um mexerico picante, a um bom enredo, a uma risada perversa.  É preciso ver que os portugueses são um bocado maçadores socialmente e que estas coisas acabam por entreter, sobretudo num jantar onde as conversas são, em regra, prudentemente inócuas.

Levantei a voz: “Hei! Estão a falar de quê?” Ainda tentaram explicar sem que os homens percebessem, esboçando gestos crípticos, mas a curiosidade é contagiosa e, por fim, todos se interessaram. Depois de alguma insistência, a anfitriã descoseu-se: “Parece que há um novo brinquedo sexual que se compra na Worten e faz as mulheres avistarem a aurora boreal em 5 segundos!”.

Achei graça à metáfora, mas o primeiro pensamento foi para elas: “Isso! Continuem a prescindir dos homens em todas as frentes e conhecerão outra ‘aurora boreal’”, quando, esvaziados de funções e sucessivamente acusados de inépcia doméstica, conjugal, paternal e sexual, eles se fartarem definitivamente de nós e os perdermos de vez. Teria pena, tanta pena, porque do que mais gostamos neles é o que nos diferencia da sua génese, juntamente com algumas incorreções empedernidas, que também temos, e isto presumindo que ainda há heterossexuais com uma natureza suficientemente distante da nossa para manter vivo o perpétuo aliciante do seu mistério.

Depois, arrependi-me do que pensei, quem sabe influenciada pelo tipo de pensamento único que até estas áreas infecta: se os homens forem suficientemente penalizados pelas suas inabilidades, talvez chegue o dia em que acabem por se esforçar para nos tornar mais felizes. Mas se produz o efeito contrário e desistem?

Insaciável, ainda perguntei como era, como funcionava e quanto custava o artefacto que prometia substituir-se ao homem no papel de satisfazer as mulheres; disseram-me então que se chamava, justamente, Satisfyer, que entrava na categoria dos “estimuladores”, que parecia “um telefone de duche pequenino” e funcionava ou por sopro ou por sucção, já nem lembro ao certo. Mas foi quando soube o preço que cometi o erro de pensar: quaisquer 60 euros farão hoje o trabalho de um parceiro, chegando mais rápido, mais alto e mais forte, para utilizar o lema da Capitã Marvel.

Há muito que não actualizo a minha agenda feminista, pelas mil dúvidas que me inibem de aderir com ligeireza a conceitos de enorme complexidade, de modo que já me perdi da longa lista de precauções que devo observar no discurso público. Porém, apesar de ter contribuído à minha pequena escala, com a minha escrita e  as minhas declarações, para a equidade de géneros, há questões em que, não envolvendo violência ou prepotência, travo a fundo. Receio a extinção de um tipo de exemplar masculino que me causa nostalgia e, sem prejuízo da sensibilidade e do respeito, muda um pneu, desentope um cano, não liga às marcas, não alimenta mexericos, paga a conta do restaurante sem lhe ocorrer outra hipótese, sabe defender-nos na rua,  conter-nos os excessos, abraçar-nos com força, e bastar-se sexualmente sem recurso a algemas, cabedais, chibatas, próteses ou pinchavelhos eróticos –  chamem-me saloia. Nada tenho contra quem se diverte, era o que faltava, mas resisto à ideia futurista de que um electrodoméstico possa dar-nos mais júbilo do que uma pessoa de carne e osso, por mais desajeitada que seja. Talvez por isso nada faça para alimentar a tendência ou a indústria.

Por falar em pneus, restam duas áreas em que, aparentemente, a mulher está longe de superar o homem:  a mecânica automóvel e o sentido de orientação, embora, pensando no último, o homem se sinta actualmente menos perdido nas estradas do que de si mesmo. Mas por quanto tempo, pergunto eu, numa era em que a autonomia mecânica quase dispensa a oficina e em que os dispositivos de navegação se substituem com vantagem ao instinto masculino? Escrevam num papel: não tardará a descoberta de um qualquer Waze que resolva a trabalhosa localização do ponto de Gräfenberg, mais pródigo ainda do que um esdrúxulo órgão feminino com 8000 extensões nervosas, tão, tão fulminantemente que suplante o Satisfyer e cale, de vez, a canção dos Rolling Stones: I can’t get no satisfaction.

Para a semana há mais.

As manhãs formidáveis

Rita Ferro