Viera garoto para Lisboa acompanhando os pais, que perseguiam a miragem de uma vida melhor, na capital.
Com os irmãos, sobreviveu num bairro triste e periférico, entre uma escola sebenta e as lutas de rua, entre bandos. A custo, conseguiu terminar o nono ano. Começou a trabalhar na construção civil dando serventia em pequenas obras. Durante anos, misturou cimento e carregou-o, caminhando por passadiços e andaimes instáveis, equilibrando-se de balde às costas e passando horas de pá na mão, remexendo a brita.
Era boa pessoa, o Bruno. Não sabia que a terra era redonda, mas falava bem a toda a gente e dava o pequeno-almoço à mãe, que tinha Alzheimer.
Com o tempo, o seu metro e oitenta e cinco encheu-se de músculo rijo e produtivo, valendo-lhe a confiança do patrão. Aos vinte e três já era encarregado, vigiando um grupo de operários vigorosos, entre africanos e europeus de Leste. Casara-se, entretanto, com Rosário, uma matrona que ganhara vinte quilos irreversíveis logo no primeiro ano de casada e lhe dava avanço em carregos. Um dia, o patrão surpreendeu-o a explicar aos pedreiros como se carregava uma saca de cimento, exemplificando-o de uma forma paleolítica: agarrava um moldavo pela cintura e arremessava-o a brincar para o cimo de uma pilha de sacos. Nunca, em tantos anos, o patrão vira alguém despachar um pesulho humano com uma limpeza daquelas.
Era um fenómeno.
Um dia, chamou-o à parte e passou-lhe um cartão: “Tenho um amigo treinador de luta, pensa nisso.” Sugestões dele eram ordens e, dois dias depois, Bruno inscrevia-se na luta greco-romana. Achava as camisolas de alças efeminadas, mas o que realmente o perturbava era a vantagem dos companheiros, todos eles mais leves e jovens. Atirá-los ao tapete era fácil, mas imobilizá-los com assentamento de espáduas parecia-lhe quase impossível. Aos músculos com que levantava pesos sem pestanejar faltavam flexibilidade e rapidez.
Todas as noites Rosário via o marido chegar a casa frustrado, depois dos treinos, sem conseguir ganhar uma luta. “Então tu não me deitas abaixo os gaiatos, poça?!”. Desanimado, o marido gritou-lhe: “O problema não é levá-los ao chão, estúpida! É encostar-lhes os ombros ao tapete!”
Falavam assim um com o outro, mas amavam-se.
Rosário ficou a olhar para o seu homem, uma besta humana que acabava de despachar a terceira tigela de puré de grão, e teve uma ideia. Quando, no fim do jantar, o marido lhe deu uma palmada expressiva no traseiro para dizer, “Vá, anda, mexe-te! Vamos para a cama!”, Rosário negociou: “Olha, filho, hoje só brincamos se me conseguires ‘assentar’!”. “Estás doida ou quê?”, perguntou ele, furioso. E acrescentou: “Dávamos cabo da cama!”. Mas a mulher mostrava-se irredutível: “Não é na cama, é na carpete, homem! E olha que é pegar ou largar!” E, sem esperar pela resposta, foi arredando os sofás para criar espaço no centro da sala. Depois, ficou a tentá-lo nua, com os seus cento e dez quilos de gloriosa opulência.
Bruno foi-se a ela, excitado.
As primeiras tentativas terminaram com Rosário a cair-lhe sobre o peito como um guarda-vestidos empurrado, e só por milagre não sofreu, logo ali, um pneumotórax. E, depois de uma luta feroz no tapete, Bruno viria a conseguir três assentamentos seguidos, celebrados a sexo do melhor, numa noite alucinante que só terminou aos primeiros raios da manhã.
Resumindo: dois meses depois ganhava o primeiro combate, uma prodigiosa vitória por assentamento, aos trinta e cinco segundos.
Lindo: o juiz levantara os braços, o público aplaudira, pularam os colegas e o treinador, e, entre a assistência, Rosário assoava-se de felicidade. É quando sobem ao palco as duas boazonas da praxe, com biquínis de licra e fitas fluorescentes na cabeça, o peito explodindo dos soutiens apertados, loiras e descaradas, dispostas a beijar o vencedor, e também quando ressoa pelo pavilhão a ameaça estridente de Rosário: “Experimenta tocar com um dedo que seja nessas rameiras de merda e quem te assenta sou eu, desgraçado!”
Depois de praticante tirou a cédula de treinador, a seguir a de árbitro olímpico, e até foi campeão nacional pelo Sport Lisboa e Benfica. Mas nunca mais se esqueceu a quem devia os melhores treinos, apesar de Rosário lhe ter fugido com um lutador do Futebol Club do Porto, que um dia defrontaria no tapete por obrigação contratual e a quem venceria com um prazer secreto: fora a mulher que lhe ensinara a derrotar o amante.
Para a semana há mais.