DIRECTOR: BRUNO HORTA  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Não foi o facto de o Presidente da República ter participado na verdadeira ‘palhaçada’ que foi o comício organizado a pretexto das comemorações do 200º aniversário da independência do Brasil, que verdadeiramente me incomodou. O que sim deveras me aborreceu foi a forma ingénua, quase infantil, como Marcelo Rebelo de Sousa, pessoa que estimo, e por quem sempre nutri admiração intelectual, independentemente de ser, ou não, chefe de Estado, caiu numa previsível e manhosa ‘armadilha’ que, em jeito de vingança, Jair Bolsonaro lhe estendeu no passado dia 7 de Setembro. A desconsideração mostrada pelo presidente brasileiro foi de tal ordem, que chegou ao ponto de ter dado ‘um chega para lá’ a Marcelo, colocando-o numa indecorosa posição subalterna na tribuna supostamente de honra, ainda por cima relativamente a uma das figuras mais infames da sociedade brasileira, o empresário Luciano Hang, cujo pestilento ‘cadastro’ ético-moral envergonha e incomoda qualquer um.

Mas a verdade é que, ao participar naquilo que sempre se soube ser um mero comício de campanha, Marcelo se pôs inevitavelmente a jeito – coisa que, por exemplo, os presidentes do Congresso, do Senado e do Supremo Tribunal Federal brasileiros se recusaram a fazer, pura e simplesmente não comparecendo numa encenação político-eleitoral que tinha tudo para correr mal.

Não foi por falta de avisos que o nosso presidente se prestou, durante mais esta viagem ao Brasil a um achincalhamento que teve o seu ponto alto na desconsideração protocolar de que foi alvo, isto já para não falar da presença na suposta cerimónia institucional que mais não foi que um comício eleitoral, e onde Marcelo cumpriu a função de mero adorno que Bolsonaro lhe destinou nessa sórdida encenação.

Por isso mesmo, por ter feito pouco caso dos alertas que lhe foram dirigidos, é difícil perdoar a Marcelo ter sido, enquanto Presidente da República, tão ingénuo e tão irresponsável – o que inevitavelmente conduz a que muitos que, como eu, por duas vezes lhe expressámos através do voto a nossa confiança, sintamos hoje um misto de dó e arrependimento.

Não acredito que alguma vez tenha passado pela cabeça a António Costa que iria ser tão fácil à oposição desmontar em duas penadas o ‘pacote’ de medidas de apoio às famílias anunciado pelo governo. Sinal claro de que algo mudou nos últimos meses: ou voltámos a ter oposição após os ‘anos de chumbo’ do dr. Rio, ou o governo perdeu o ‘élan’ que conseguiu manter nos últimos anos. Ou então, as duas coisas…

Um homem é um homem, um gato é um bicho

José Paulo Fafe