A televisão é a violação das multidões
Jean-François Revel, Filósofo, escritor e jornalista francês (1924-2006)
Quanto vale uma imagem?
Comemorou-se anteontem o Dia Mundial da Televisão. Passa normalmente despercebido. É pena.
Televisão é a comunicação por excelência, através da imagem. E uma imagem vale mais do que mil palavras, dizem. Eu acho que há algumas palavras que valem mais do que mil imagens. Por exemplo, fome, morte, guerra, AMOR. Mas falemos de televisão e o poder da sua imagem, a propósito da efeméride.
A semana passada foi uma semana rica em ricas imagens.
1 – Tivemos o caso de Cristiano Ronaldo e a entrevista que deu, a seu pedido, a Piers Morgan, um dos mais famosos entrevistadores de Inglaterra, cujos trabalhos são vendidos para variadíssimas estações de televisão em diversos países. A entrevista lembrou-me o adágio popular ‘a vingança serve-se fria’. O ‘timing’ foi calculado, e, com certeza, combinado com o seu empresário. Ronaldo vai assim estar no Mundial de 2022 como o jogador ‘livre’, pois o Manchester United não vai querê-lo mais. O seu empresário Jorge Mendes estará no Qatar. Não tenho dúvidas de que Cristiano vai esfrangalhar-se todo para fazer grandes exibições, na maior montra mundial do futebol.
Aqui está um caso em que a imagem é igual a mil palavras.
2 – Um segundo exemplo são as imagens das claques organizadas pelo Qatar. Uma organização ligada ao Mundial de futebol contratou migrantes, nomeadamente da Índia, Bangladesh, Sri Lanka e Nepal para formarem claques de ‘apoio’ a vários países e que andam há dias pelas ruas de Doha a gritar por Portugal, Argentina, Brasil, etc. com bandeiras e cachecóis.
Se esquecermos os 6750 trabalhadores desses países que morreram na construção dos estádios e outras infraestruturas para o Mundial 2022 [Observador/The Guardian], as imagens ‘carnavalescas’ até têm graça, pelo ridículo. E ri-me, quando vi que, entre os ‘adeptos’ de Inglaterra, não havia um único loiro e que as caras denunciam as suas origens.
Aqui, as imagens valem mais do que todas as palavras.
3 – Num salão com dourados e rodeado por 15 ou 20 grandes bandeiras dos Estados Unidos, com uma centena de fãs decerto empurrados para ali e proibidos de sair do salão enquanto ele não acabasse de falar, Donald Trump, num tom fúnebre, leu, de um teleponto, a que alguns americanos críticos chamaram ‘teletrumper’, a sua declaração de candidatura às eleições presidenciais de 2024, assolado pelo desastre que provocou no seu partido nas recentes intercalares. Num discurso de cerca de uma hora, conseguiu dizer 20 grandes mentiras, já desmentidas pelos ‘fact checkers’ americanos.
Neste caso a imagem não conseguiu apagar as mentiras. Vale menos do que mil palavras. Vale zero!
4 – O leitor recorda-se com certeza da polémica entre o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o nosso primeiro-ministro, a propósito do livro ‘O Governador’. Nele, o Costa (Carlos) narra um episódio de alegadas pressões do Costa (António) para que o Banco de Portugal ‘não tratasse mal a filha de um presidente de um país amigo’ [Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos], pois o Costa (Carlos) preparava-se para correr com ela do banco Eurobic, o que Costa (António) considerava inoportuno. O livro foi apresentado na Gulbenkian no dia 15, por Marques Mendes.
A sala estava cheia com aquilo a que Paulo Magalhães, da CNN Portugal, que estava em reportagem, chamou “meio país político”.
Assisti ao acontecimento, em directo e sozinho em casa. Adormeci. E acordei assustado porque tive uma sensação estranha de estar num museu de cera. Tudo esfíngico.
Tive vontade de rir, mas rapidamente acordei para o lado sério da vida. E pensei que aquela ‘metade do país político’ tinha metade da responsabilidade pelo estado em que estamos ou, como diria Salgueiro Maia, “o estado a que isto chegou”. O resto, a outra metade, responsável pelo restante, esteve ausente. A maioria do país político a que devemos gratidão já desapareceu. Os vivos não aparecem nestas coisas. E a imagem não vale nada.
5 – De Teerão, capital do Irão, e de outras cidades iranianas chegam diariamente imagens de protestos nas ruas provocados pela morte de uma jovem de 22 anos, Mahsa Amini, após ter sido espancada na cabeça pela Patrulha de Orientação da República Islâmica do Irão, que a prendeu porque não usava adequadamente o ‘hijabe’ [o véu islâmico] e a tinha sob custódia. Desde esse 16 de Setembro, há manifestações diárias contra o regime. Já foram presos milhares de manifestantes. Nas ruas, a repressão já matou centenas de pessoas e outras foram julgadas e executadas. E o parlamento defende ser necessário dar “uma dura lição” aos manifestantes.
Neste caso, todas as imagens e todas as palavras não chegam.
ON
Quando acaba a transmissão de um jogo de futebol importante mudo imediatamente para a SIC Notícias, ao encontro dos comentários de grande qualidade, proferidos por uma equipa de luxo. Moderados por Paulo Garcia, que é ‘top’, David Borges, Ribeiro Cristóvão e Joaquim Rita analisam com sabedoria e rigor o que se passou no campo. É a melhor equipa de comentadores de futebol da televisão portuguesa.
OFF
A luta pela conquista das audiências vai aquecendo com a TVI a perseguir de perto a SIC (a RTP não é deste campeonato). Atentos, um e outro e um ao outro, Daniel Oliveira e José Eduardo Moniz ensaiam alguns movimentos das pedras do xadrez da programação. Mas, qualquer que seja a estratégia, não percebo a ideia de Daniel Oliveira de retirar o programa ‘O Nosso Mundo’ que era campeão de audiência, aos Sábados. Para pôr lá o ‘Alô Marco Paulo’? É muita areia!