Não sei em que dia caiu, mas houve um momento na pré-história em que o homem, com um só gesto, avançou duas casas na escala evolutiva. Foi quando ele se pôs de pé e começou a garatujar com carvão na parede da caverna. Isto o separou dos outros animais, que continuaram ágrafos e de quatro.
No futuro, esse gesto se repetiu nos bilhões de crianças que, desde então, fizeram o mesmo na parede da sala, só que usando um lápis — eu próprio fui uma delas. Pois um artigo recente num jornal me alertou para algo em que eu ainda não tinha pensado: até quando nossas crianças, com suas mochilas equipadas com notebooks, kindles, smartphones e toda espécie de quinquilharia eletrônica, continuarão a escrever… à mão?
A simples idéia de que tal prática pode ser abolida do cardápio de funções humanas é de assustar e, pela primeira vez, palpável. De fato, com um celular sempre disponível, para que perder tempo e espaço com cadernos, canetas, lápis, borrachas e, pior ainda, dicionários, gramáticas e livros de texto?
Ou talvez não haja motivo para preocupação. Eu próprio, em tenra idade, comecei a escrever à máquina quase ao mesmo tempo em que à mão. Isso não me dispensou de usar caneta, mata-borrão, apontador de lápis, tabuada, régua e outros apetrechos então obrigatórios na vida escolar. Mas só porque eu não podia levar a máquina de escrever para a sala de aula.
A história da escrita tem passagens lindas. Uma delas, narrada a mim por minha mulher Heloisa, conta como, por volta de 1855, na França, os barqueiros que singravam o Sena de madrugada, nos arredores de Rouen, se guiavam por uma luz de vela que, noite após noite, durante seis anos, saía da janela de uma casinha à margem do rio. Eles não podiam saber, mas aquela vela iluminava Flaubert, escrevendo – à mão, claro – Madame Bovary.