DIRECTOR: BRUNO HORTA  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

A favelização da escola

Parece que ninguém ficou especialmente incomodado com a notícia de mais uma agressão numa escola. Desta vez, um rufia de 16 anos agrediu a pontapé um professor de 65 numa sala de aula da Secundária do Padrão da Légua, concelho de Matosinhos. A polícia foi chamada e o agressor identificado, enquanto o agredido recolhia ao Hospital Pedro Hispano.

Ter-se-á este tipo de casos tornado banal? É o que parece. Lembro-me de ter havido alguma comoção, em 2019, quando uma professora grávida foi esmurrada na sala de aula pela mãe de um aluno da Escola Agostinho da Silva, em Marvila, Lisboa, e teve de ser assistida no Hospital São Francisco Xavier. Mas o caso ficou em águas de bacalhau – e quando, pela mesma altura, um meliante de 14 anos agrediu uma professora na Escola Básica e Secundária Amélia Rey Colaço, em Linda-a-Velha, já ninguém prestou atenção. Mais casos na Escola Secundária do Castêlo da Maia (Fevereiro de 2020), na Escola Básica e Secundária Fontes Pereira de Melo, no Porto (Novembro de 2021) ou na Escola Secundária do Cerco (Março deste ano) eclipsaram-se dos noticiários ao vigésimo segundo sem fazerem história.

Em Portugal, a cada três dias há registo de uma agressão a um professor, o que soma cerca de 200 casos por ano. A gravidade da situação é tal que milhares de docentes pediram ao Parlamento que analisasse propostas para que as agressões a professores passassem a ser consideradas crimes públicos; mas os senhores deputados, numa peculiar manifestação de parcimónia legislativa, enjeitaram a proposta e ficaram-se pelo velho e ineficaz “reforço das medidas de prevenção à violência em contexto escolar”. De boas intenções está o inferno cheio.

Um trabalho académico realizado na Universidade Fernando Pessoa, analisando uma amostra de docentes que leccionam desde o 1º até ao 12º ano em escolas públicas de todo o país, concluiu que 37,7% dos professores portugueses já foram alvo de vitimação no seu estabelecimento escolar, sob as mais diversas formas – assédio, obscenidades, ameaças verbais, intimidação física, cyber-violência, arremesso de objectos, roubo e dano de bens pessoais, agressões físicas sem e com armas.

Os enormes riscos pessoais que hoje são inerentes ao exercício da docência escolar estão bem espelhados nos números do ‘burnout’: mais de 60% dos professores portugueses sofrem de exaustão emocional, desgaste, ‘stress’ e cansaço físico extremo, segundo um estudo da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto Superior Técnico.

Não vale a pena tapar o sol com uma peneira: a violência entrou na escola e não sai de lá com festinhas no lombo ou “medidas” paliativas.

As agressões a professores são apenas um dos muitos aspectos da favelização da escola, onde campeiam também o elogio da ignorância, a violência entre alunos e sobre funcionários, a indisciplina, o vandalismo, o bullying, o narcotráfico, os roubos, pura delinquência que parece ter entrado num rame-rame tolerado por toda a gente como normal e inevitável.

Pelo contrário, este charivari não é aceitável, nem em Portugal nem nos outros países da União Europeia onde igualmente se verifica. Os governos vão ter de encontrar coragem para pôr ordem nas escolas, ainda que tenham de empregar meios que o politicamente correcto hoje considera antipáticos. Se o não fizerem, a favela tomará conta do sistema de ensino público e a sala de aula não passará de mais um caso de polícia.

Jorge Morais

Carta da Aldeia

Jorge Morais