O primeiro-ministro entregou em Maio no Tribunal Constitucional uma declaração de património e rendimentos — obrigatória por lei para titulares de cargos públicos. E foi aí que o Tal&Qual encontrou em Setembro a chave de um mistério que há muito se adensava: quanto teria custado a António Costa o tão falado apartamento em construção que ele tinha comprado em Lisboa, na zona de Benfica.
A consulta da declaração permitiu descobrir que o chefe do Governo assinou em data incerta — provavelmente em 2019 — um contrato-promessa de compra e venda de um andar designado T1B-B3, ou seja, um T1 no condomínio de luxo Fábrica 1921, em Benfica, pela módica quantia de 276 mil euros – tudo isto noticiado em primeira-mão pelo T&Q nom passado dia 21 de Setembro.
Agora, estamos em condições de revelar a planta do novo apartamento do casal Fernanda e António Costa. O desenho reproduzido nesta página baseia-se na planta depositada junto da Câmara de Lisboa pela construtora Teixeira Duarte, responsável pelo condomínio Fábrica 1921. A papelada encontra-se nos serviços de Gestão Urbanística da autarquia, no Campo Grande, e ocupa pelo menos oito dossiers. O projecto de arquitectura da Fábrica 1921 surge com data de Novembro de 2019 e é assinado por Margarida Ordaz Caldeira, arquiteta do atelier português Broadway Malyan.
A minha rica casinha
Na planta consta uma fracção descrita como T1B-B3. É a mesma referência que o primeiro-ministro inscreveu na declaração entregue ao Constitucional. Conclui-se que a nova casa de Costa tem 72,4 metros quadrados e está situada no terceiro andar do condomínio. São sete pisos ao todo. Fazendo fé nos elementos disponíveis, é possível afirmar que o imóvel foi comprado a 3.812 euros por metro quadrado. Acontece que em 2019 o preço por metro quadrado em Benfica estava quase mil euros acima daquele: rondava 4.700 euros para apartamentos novos, segundo dados que T&Q obteve através de uma base de dados exclusivamente utilizada por agentes imobiliários.
A pequena casa de banho tem ligação ao quarto e é a mesma que serve as visitas. Do ‘hall’ consegue-se ver a cozinha, que é também modesta em área, e imediatamente se chega à sala-de-estar. O desafogo do apartamento está numa generosa varanda com seis metros de comprimento. É muito provável que a escritura ainda não tenha sido assinada, pois ainda decorrem as obras no condomínio. Por enquanto o chefe do Governo mora numa casa arrendada na Rua Emília das Neves, também em Benfica, pela qual paga uma renda mensal de 1200 euros.
O facilitador Manuel Salgado
A burocracia com vista à construção da Fábrica 1921 remonta a 2008. É então que se inicia o normal processo de loteamento dos terrenos da antiga Fábrica Simões, um complexo industrial de têxteis na Avenida Gomes Pereira que deixou de laborar em 1987. A construtora tinha começado a demolir os edifícios devolutos da antiga fábrica entre Julho e Dezembro de 2011. Ficaram a faltar algumas partes e sem a demolição completa a Teixeira Duarte (ou TDF) não poderia iniciar a construção do condomínio.
Os técnicos da Gestão Urbanística de Lisboa defendiam que só após o pagamento de novas licenças e apresentação de novo projecto por parte da construtora é que autorizariam novas demolições. A Teixeira Duarte entendeu que não e fez braço-de-ferro. No Verão de 2012 a empresa chegou a escrever a António Costa, então presidente da autarquia — cargo que exerceu em 2007 e 2015 —, apresentando recurso administrativo face às decisões dos serviços municipais.
Como que por magia, o impasse vem a ser resolvido meses depois pelo todo-poderoso Manuel Salgado, vereador do Licenciamento Urbanístico, da Reabilitação Urbana, das Obras Municipais, do Planeamento e da Política de Solos — e ao qual muitos se referiam como Marquês de Pombal, para sublinharem o ascendente sem precedentes que o vereador tinha sobre a gestão camarária de Costa. “Será de aceitar a demolição” que falta sem mais burocracia, despachou Salgado em Janeiro de 2013, assim facilitando a favor da Teixeira Duarte. Não é claro o motivo da mudança de opinião, mesmo contra o parecer técnico dos serviços camarários.
Tanto o antigo autarca, como a Teixeira Duarte, não responderam esta semana aos telefonemas do T&Q.
Um vereador polémico
Manuel Salgado, primo do ex-banqueiro Ricardo Salgado, esteve como vereador em Lisboa desde 2007 e subiu a vice-presidente no tempo de Costa — até às autárquicas de 2013. Saiu pelo próprio pé em Julho de 2019, já caído em desgraça. No ano passado a Polícia Judiciária fez buscas à Câmara no âmbito da Operação Olissipus, uma investigação sob segredo de justiça que investiga alegada corrupção na área do urbanismo da Câmara de Lisboa. Há suspeitas de favorecimento à Teixeira Duarte em adjudicações sem concurso público.