A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que é supostamente independente do poder político e tem como objectivo fiscalizar e limitar a liberdade de imprensa em Portugal, está neste momento à deriva, sem presidente e com três elementos já caducados. O imbróglio está para lavar e durar porque as regras e a falta de vontade política não deixam outro caminho.
Os elementos do Conselho Regulador (órgão máximo) da ERC são eleitos de cinco em cinco anos pela Assembleia da República — ou seja, por acordo entre PS e PSD. E estes elementos, que são quatro, escolhem por sua vez o presidente da ERC. Quatro nomes foram eleitos a 30 de Junho. A saber: Helena Sousa (PS) e Telmo Gonçalves (PS), Pedro Gonçalves (PSD) e Carla Martins (PSD). Obtiveram 141 votos a favor, 43 brancos e 12 nulos.
Estão portanto há mais de 50 dias à procura de um quinto nome para presidir ao Conselho Regulador. Mas ninguém quer ser presidente, dizem-nos fontes ligadas à instituição. Os nomes debatidos até agora não são consensuais entre os quatro eleitos ou então não são politicamente aceitáveis. E sendo assim ninguém pode tomar posse.
O actual Conselho Regulador — que já tomou decisões injustas contra o T&Q — iniciou funções em 14 de Dezembro de 2017, o que significa que o seu mandato se extinguiu a 14 de Dezembro do ano passado: há mais de oito meses. Continua em funções porque é isso que determinam os estatutos da ERC, mas a sua legitimidade é cada vez mais questionável — se não do ponto de vista legal, pelo menos do ponto de vista ético.
Por um lado, os cinco que tomaram posse em 2017 são hoje apenas três: Francisco Azevedo e Silva e Fátima Resende Lima, próximos do PSD, e João Lemos Figueiredo, próximo do PS. O antigo membro Mário Mesquita, que era vice-presidente, morreu em Maio do ano passado. E o presidente escolhido, o juiz Sebastião Póvoas, que colhe simpatias no PSD, renunciou a 1 de Julho último, assim que soube que novos elementos tinham sido eleitos pelo Parlamento em Junho — o que implicou a subida a presidente de Francisco Azevedo e Silva.
Como o T&Q escreveu a 7 de Junho, o arrastar da situação não causa pressas ao partido liderado por Luís Montenegro, já que tem um maior número de elementos que lhe são próximos. Por outro lado, a vogal Fátima Resende Lima— que é casada com Fernando Lima, antigo assessor de Cavaco Silva — está a poucos meses de meter os papéis para a Caixa Geral de Aposentações e precisa de se manter na ERC mais algum tempo até conseguir uma pensão de reforma mais alta do que aquela a que teria direito se se reformasse como funcionária da Direcção-Geral do Consumidor, organismo do Ministério da Economia a cujo quadro de pessoal pertence e ao qual tem estado requisitada.
Fátima Resende Lima recebe da ERC 4.430 euros brutos por mês, mais 1.329 euros de despesas de representação, enquanto no seu serviço de origem, onde é técnica superior, o vencimento nunca ultrapassa um máximo de 3.561 euros, segundo as nossas fontes. Esta interpretação é classificada pela visada como “absolutamente abusiva”, mas os factos permitem sustentá-la.
Além disso, diz-se nos bastidores que o PS também não tem urgência em que o novo Conselho Regulador tome posse porque está a ser estudada a extinção da ERC e a fusão com a Anacom (Autoridade Nacional de Comunicações). Ali para os lados da Avenida 24 de Julho, o cambalacho não tem fim.
Colisão com o regulador
O jornal local ‘Freguês de Benfica’ foi alvo de uma decisão da ERC por alegado desrespeito do “direito ao contraditório”. O periódico, que é dirigido por Francisco Moraes Sarmento e distribuído no bairro lisboeta de Benfica há mais de oito anos, noticiou em Outubro de 2022 que quatro associações de moradores estavam a promover uma petição a favor da instalação de parquímetros da EMEL na zona de Benfica. No entanto, o título da petição dizia exactamente o contrário: “Contra a Colocação de Parquímetros”. Segundo o jornal, foram feitas “citações directas do documento” que mostravam “a contradição entre o título e o conteúdo” da petição. As associações queixaram-se à ERC e em Abril último o regulador decidiu contra o jornal, sugerindo que as visadas tinham que ter sido ouvidas antes da publicação da notícia. O ‘Freguês de Benfica’ não se ficou e deu à estampa uma nota em tom zangado: a notícia inicial estava “ao abrigo da liberdade de imprensa”, de que o jornal “não abdica”.