Quem na semana passada tivesse passado por algumas páginas das chamadas redes sociais e lido os comentários que ali se escreveram sobre a capa da última edição do T&Q teria pensado estar de volta, rapidamente e em força, a “moralidade” de sacristia, bafienta e hipócrita, que em tempos reinou em Portugal. A notícia de que um deputado, vice-presidente da Assembleia da República, estava a ser exposto na internet em imagens nuas e cruas lançou num transe de indignação o habitual coro de vigilantes da pureza dos costumes – não contra quem pregou a partida ao deputado e lá pespegou as fotos, não contra as mesmas redes sociais onde milhões andaram a espreitar as imagens do escândalo, mas apenas contra o jornal que disso deu conta, o T&Q. Uma capa tipicamente de tabloide da escola inglesa, uma peça deontologicamente inatacável, a opinião do visado, as consequências públicas, as imagens que geraram a polémica – disto publica-se a todo o momento, em profusão, por toda a Europa. Mas por cá ainda faz comichão.
Algumas das baboseiras publicadas nesses facebooks tresandavam a ‘Diário da Manhã’. Outras, demasiado reles, nem sequer mereciam figurar nas actas da subsecção de Imprensa da Câmara Corporativa. Antes mesmo de o jornal chegar às bancas, conhecendo-se apenas a capa divulgada no ciberespaço, já as virgens ofendidas debitavam as suas sentenças purificadoras: “nojo de jornalismo”, “jornalixo”, “pasquim”, “inimaginável”.
Ao contrário do que possa pensar-se, esta brigada de costumes é pequena, embora ruidosa: compõem-na vinte ou trinta profissionais da indignação barata, sempre os mesmos comentadores frustrados que, não tendo jornal que os convide a publicarem as suas opiniões de chacha, se vingam do mundo bolsando bílis por essa internet fora. Lá estão eles, todas as manhãs, comentando textos que não leram, condenando coisas que não percebem, cagando sentenças a propósito de tudo o que mexe. Há entre eles antigos funcionários das Redacções, reformados e esquecidos, inutilizados para o debate intelectual pela sua própria insignificância mental. Ali, nas caixas de comentários das redes sociais, ao menos, tornam-se alguém.
Alguns destes pobres diabos, a propósito da nossa última edição, tiveram o topete de invocar a memória de antigos directores do T&Q, supondo que eles poderiam “condenar” o que aqui se publicou há uma semana. O que foi que tanto incomodou os vigilantes da moralidade corporativa? A nudez? O subentendido sexual? A revelação da vida privada de uma figura pública? Não se sabe, porque as criaturas não conseguem explicar (seria exigir demais à inteligência).
Como eles conhecem mal esses antigos directores que agora chamam em socorro do seu falso puritanismo! Foram precisamente esses jornalistas de excepção que conceberam, dirigiram e em muitos casos escreveram algumas das melhores reportagens que sob este título se publicaram e que mais ninguém tinha coragem para imprimir. Vêm à ideia algumas capas: a exposição pública da relação extramatrimonial de Sá Carneiro e Snu Abecassis (1980), a prostituição masculina na Casa Pia (1981), as filmagens político-eróticas de Maria Elisa (1983), o Presidente Soares deslumbrado com as maminhas da Lola Conchita na praia do Vau (1986), as noites loucas e a cassete de Tomás Taveira (1989), as fotos explícitas do “nudismo sem lei” (1991), a pseudo-pergunta ao líder do CDS (“Portas, você é ou não é?”, 1995), a namorada secreta de Marcelo e Alberto João Jardim em cuecas (1997), para só citar algumas, de memória. Não, não duvidem: tivemos dos melhores mestres.
Outros estarão apenas esquecidos; e se hoje se revelam tão escandalizados com a nudez pública, eu lembro-me bem de terem andado a mendigar bilhetes de ingresso para o espectáculo erótico da Cicciolina no Coliseu dos Recreios, 19 de Novembro de 1987, 21 horas e 30 minutos, e de os ver a babarem-se na plateia. Acho que ainda tenho por aí a lista dos convidados especiais, guardada numa caixa qualquer…