O fim do ano chegou e, com ele, o prazo dado pela agência brasileira de Vigilância Sanitária para que todo medicamento vendido no Brasil passe a vir com duas bulas. Uma, dentro da caixa, em linguagem acessível ao leigo e em corpo e espaço adequados aos pacientes – os quais, apesar do nome, não têm paciência para ler a dita bula por causa da vista cansada. A outra, eletrônica, no site da agência, na linguagem mais técnica possível, compreensível apenas pelos médicos.
Pelo visto, a medida ainda não entrou em vigor. Outro dia, ao sair do banho num hotel em cidade estranha, dei uma topada com a canela na borda de azulejo do box. A perna inchou, ficou vermelha e, pelos dias seguintes, como a dor não passasse, resolvi tomar providências. Bem à brasileira, uma amiga me examinou por telefone e receitou uma pomada. Fui à farmácia, comprei-a e apliquei. E só então li a bula.
“Este medicamento (fator de difusão enzimática)”, dizia o texto, “é composto de mucopolissacaridases com atividades condroitinásica e hialuronidásica, despolimerizando os mucopolissacarídeos (ácidos condroitino-sulfúrico e hialurônico) da substância fundamental do tecido conjuntivo, especialmente subcutâneo. A despolimerização da substância fundamental das trabéculas conjuntivas do tecido subcutâneo facilita as trocas metabólicas locais”.
Juro que a transcrição é literal. Pois li isto e entrei em pânico – imagine se os mucopolissacarídeos, ao despolimerizar as trabéculas conjuntivas, provocassem uma reação das atividades condroitinásica e hialuronidásica? O que seria de mim?
Por sorte, nada aconteceu ou, quem sabe, aconteceu e não me dei conta, porque o remédio logo começou a fazer efeito. Ótimo. Mas é aconselhável manter não só os remédios, mas também as bulas fora do alcance das crianças.