DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Climáximo tem os dias contados

O T&Q esteve infiltrado e descobriu-lhes a careca
A proximidade entre o Bloco de Esquerda e o Climáximo parecia uma evidência desde que o coletivo começou a operar em Portugal, há já sete anos. O discurso climático misturava-se com reivindicações anticapitalistas, à moda do Bloco...
Isabel Laranjo

A proximidade entre o Bloco de Esquerda e o Climáximo parecia uma evidência desde que o coletivo começou a operar em Portugal, há já sete anos. O discurso climático misturava-se com reivindicações anticapitalistas, à moda do Bloco, e várias notícias relacionadas com o Climáximo saíam no site Esquerda.net, que é órgão de comunicação do partido liderado por Mariana Mortágua. Claro que a presumível ligação nunca foi assumida. Aliás, o Tal&Qual recebeu há dias um rotundo “não” de um porta-voz do partido a quem se perguntou se o Bloco dava apoio jurídico ou financeiro ao Climáximo.

O certo é que Mariana Mortágua tirou o tapete ao Climáximo. E se precisou de se distanciar é porque alguma proximidade existia. A 23 de outubro, a coordenadora do Bloco disse ter “grandes dúvidas” de que as ações desordeiras — ditas de desobediência civil — dos ativistas ‘climáximos’ sirvam para criar um “grande movimento social” em torno da “emergência climática”. Desde que esta mortífera declaração foi feita, acabaram-se as notícias sobre o Climáximo no Esquerda.net — e acabou-se o suposto respaldo partidário a cortes de estradas, destruição de montras de lojas e de grandes empresas energéticas.

Aliás, já não há sequer partidos considerados ecologistas do lado do coletivo disruptivo. O PAN e Os Verdes (PEV) nem querem ouvir falar dele. Inês de Sousa Real defende “uma cidadania ativa e participativa mas de forma positiva sem ataques”. A líder do PAN declarou ao jornal Observador que o Climáximo “tem extravasado o razoável” e que “não se pode associar a algo que representa um caminho perigoso e que não credibiliza a causa do ativismo ambiental”. Heloísa Apolónia, histórica dirigente do PEV, também não alinha: “São ações que não chamam mais gente a esta causa. Acabam por ser fraturantes e por não gerar um alargamento da simpatia pela causa. É uma forma de protesto que acaba por gerar antipatias”. Não haja margem para dúvidas: o Climáximo está encurralado. O grupo que anda nas bocas do mundo está reduzido a uma minoria — e já esperneia.

 

Já poucos estão para isto

Cheira a bafio na cave de Benfica em que o Climáximo organiza uma palestra para angariar novos membros. Lisboa, 28 de outubro, um sábado à tarde. “Temos consciência de que estamos a pôr em risco o coletivo”, ouve-se a Sara Gaspar, 20 e poucos anos, óculos redondos, cabelo ‘à la garçonne’ e casaco de nylon florido. Participa na palestra na qualidade de ativista. Andar a partir montras da Gucci e da REN ou cortar estradas é muito bonito, mas tem levado à detenção dos ativistas e ao acumular de processos em tribunal. “Fazermos estas ações e sermos detidas todas as semanas é algo que desgasta”, conclui Sara Gaspar, que admite já ser arguida em três processos. “Ainda nenhum ativista foi preso, mas pode acontecer. Estamos mesmo a pôr o coletivo em risco”.

Já muito poucas pessoas estão para isto. Mesmo as que fazem parte do Climáximo. Não por acaso, as multidões que se viam em 2019 nas manifestações do Climáximo contrastam muito  com a meia dúzia de pessoas que tem surgido nas recentes ações do grupo. “Neste momento temos 1.800 euros em multas para pagar e não temos apoios. Vamos organizar concertos para angariar dinheiro”, diz a mesma ativista.

André, outro jovem presente na palestra, unhas compridas pintadas de verde e dourado, a quem cabe apresentar os objetivos do Climáximo, acrescenta: “Temos seriamente um problema de participação. As pessoas aparecem nas palestras mas depois não participam nas ações”. E avança aquilo de que até agora poucos desconfiariam: “Não sabemos se vamos sobreviver até ao fim do ano”.

Sílvia Carreira, uma antiga professora de Artes e dirigente do Climáximo, na casa dos 50, pede aos que vieram esta tarde a Benfica – apenas três pessoas, a contar com a jornalista infiltrada do T&Q –  que discutam entre si duas questões: “O que significa caos climático?” e “como chegaram até esta sessão?”. Zita é uma estudante de Medicina que também ali foi parar, bem como José Oliveira, um sexagenário e antigo sindicalista. O tempo é contado ao segundo e passados 10 minutos a conversa é interrompida por Sílvia Carreira, sem conclusões de monta. É agora altura de esta começar um longo monólogo sobre o problema das alterações climáticas.

 

Conforto privado

A ex-professora fala de forma pausada, arrastada mesmo, com o olhar posto no vazio. Conta que começou as suas ações de luta ambiental nos anos 80, contra a energia nuclear. E critica os outros, os que não se interessam por estes assuntos. “Parece que as pessoas no seu dia a dia não estão a ver o que está a acontecer. Ignoram as notícias de que os gelos eternos estão a derreter. Que na Suíça o ponto de gelo está cada vez mais alto, mais recuado para os picos”. Um discurso afinado. Tanto quanto o carro que conduz. Mas em contramão com aquilo que proclama: a luta ambiental. “Costumo aproveitar as minhas viagens de carro para ir ouvindo mais notícias sobre este assunto”. Questionamos: “Tens um carro elétrico?”. Resposta: “Não, não. Tenho um carro normal”.

A conversa avança. Entretanto entra na sala um amigo de Sara Gaspar. “Conhecemo-nos na Croácia”. País para onde a ativista viajou — naturalmente, de avião. Isto, apesar de o Climáximo já ter tentado interromper a descolagem de uma aeronave da TAP. O T&Q começa a fazer perguntas. “Mas para que serve andar a partir montras e a cortar estradas? Não seria mais efetivo fazer-se um boicote às empresas de distribuição de gás e combustíveis, usando, por exemplo, eletricidade para aquecermos a água em casa?”. A resposta sai rápida da boca de Sílvia Carreira — que sempre que vai atestar o depósito do seu carro contribuiu para encher os bolsos das grandes empresas contra as quais diz lutar. “Não vale a pena fazemos sacrifícios pessoais, não podemos mudar o mundo. Somos apenas uma gota no oceano”.

Sara aduz argumentos: “As emissões das empresas constituem 90% das emissões totais de gases com efeitos de estufa”. Atira com uma teoria: “Essa conversa da pegada carbónica foi um investimento da indústria petrolífera. A conversa de que cada um de nós tem de fazer alguma coisa foi uma invenção deles e investiram muito dinheiro nisso”. Sílvia remata, opondo-se até à reciclagem, uma das bandeiras de muitos ambientalistas. “É contraproducente. As pessoas ficam todas tranquilas porque reciclaram, mas para fazer a reciclagem há um grande dispêndio energético, poluição e emissões de gases de efeito de estufa. Portanto, isso é uma forma de enganar as pessoas”. Parece que o que está a dar é mesmo partir montras, atirar tintas e cortar estradas. Se é que haverá gente nos próximos meses para dar continuidade à luta…