O caso foi detectado há dias pelos Tal&Qual no Pingo Doce da estação do Cais do Sodré, em Lisboa. Estavam à venda cebolas da marca própria, pré-embaladas com a indicação de um quilo — mas a quantidade real era significativamente mais baixa. Resultado: o incauto consumidor pegava na saca das cebolas, cuidando que estaria a pagar um quilo, e levava para casa uma quantidade menor — sem ter pesado, porque quase ninguém se lembra de pesar os pré-embalados.
As fotografias feitas na ocasião não deixam margem para dúvidas. Em cinco embalagens, a balança do Pingo Doce assinalava o engano. Na primeira, em vez de um quilo apareciam 918 gramas. Depois eram 904, 902 e 898 gramas. Por fim, a quinta embalagem superava tudo o que se poderia esperar: 878 gramas, ou seja, menos 122 gramas do que o indicado na saca.
O nosso jornal perguntou entretanto ao Pingo Doce se as cebolas, cenouras e batatas pré-embaladas da marca própria contêm de facto as quantidades indicadas nas respectivas embalagens. Perguntámos também se já houve queixas de clientes. Uma porta-voz respondeu-nos que não há registo de reclamações “relacionadas com discrepâncias de pesos” naqueles produtos. Garantiu até que nos produtos da marca Pingo Doce, e de outras marcas vendidas a peso, “o peso corresponde ao que está indicado na embalagem”. Como se vê pelas imagens do T&Q, tal informação não corresponde à verdade.
“Nos hortofrutícolas pode haver pequenas discrepâncias pontuais, tanto para valores ligeiramente superiores, como ligeiramente inferiores, uma vez que estes produtos desidratam e como tal estão em constante perda de água, perdendo peso”, argumentou a porta-voz. “O Pingo Doce tem essa situação identificada e é por isso que exige que estes produtos sejam embalados [pelos fornecedores] com um peso superior ao que está na embalagem”.
Mas quais são os pesos ligeiramente inferiores admissíveis? Isto é: quanto é que o consumidor pode levar a menos e pagar a mais? Para Mário Frota, antigo presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo, “podemos ter uma tolerância de 10 ou 20 gramas, mas não de mais de 100 gramas”, como neste caso. “Não é plausível que as empresas não saibam que estão a defraudar o consumidor. Estou convicto de que fazem as coisas deliberadamente. De tostão em tostão, chegam ao milhão”, avalia Mário Frota.
Aliás, segundo este conhecido defensor da causa dos consumidores, a situação agora descoberta pelo T&Q configura o crime de fraude sobre mercadorias — previsto no artigo 23.º da lei penal do consumo de 1984, ainda em vigor. A pena mais baixa é de prisão até seis meses ou multa até 50 dias. “Nestes casos, o cliente não pode reclamar apenas oralmente. Deve conferir o peso no local da compra e preencher o Livro de Reclamações, porque uma das cópias é obrigatoriamente enviada pelo comerciante à ASAE”, a autoridade da fiscalização económica e da segurança alimentar.
Nos últimos dias procurámos situações idênticas noutros supermercados da zona de Lisboa: Continente, Lidl e Intermarché. Não encontrámos nada, apenas quantidades pré-embaladas com discrepâncias quase insignificantes. Fonte oficial do Continente, perante perguntas idênticas às que fizemos ao Pingo Doce, admitiu a existência do mesmo problema, referindo que a empresa “tem por política envidar sempre todos os esforços no sentido de compensar o cliente na eventualidade excepcional de existir alguma diferenciação no peso em qualquer produto”. O Lidl e o Intermarché alegaram desconhecer que algum dos seus artigos não contenha as quantidades indicadas.
Pelo sim, pelo não, é preciso andar alerta e ter muito cuidado com a cebolas: elas são capazes de nos levar às lágrimas e não apenas quando as descacamos.