Começa a tornar-se caricata a demora na indicação de novos dirigentes da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Os actuais responsáveis esgotaram a 15 de Dezembro o seu mandato de cinco anos e por isso estão caducados há quase seis meses. São eles o presidente do Conselho Regulador, o senhor juiz conselheiro jubilado Sebastião Póvoas, mais os três vogais que o auxiliam na prestimosa tarefa de controlar a liberdade de imprensa em Portugal: Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende Lima e João Pedro Figueiredo. Além disso, o Conselho Regulador está sem vice-presidente desde há mais de um ano, por morte do jornalista e professor Mário Mesquita, que ocupava o cargo.
Os vogais são sempre indicados pela Assembleia da República — uma escolha cozinhada ao mais alto nível por quem tem mais deputados: PS e PSD. O presidente do Conselho Regulador é depois presumivelmente seleccionado pelos vogais. Neste momento, o PS já propôs novos vogais: Helena Sousa (professora na Universidade do Minho) e Telmo Gonçalves (já funcionário da ERC). Mas o PSD tarda em dizer quem apoia — e assim continua adiado o novo Conselho Regulador.
Diz-se que o partido liderado por Luís Montenegro emperra o caso para manter por mais algum tempo três elementos que lhe são favoráveis: Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende Lima e o meritíssimo Póvoas. É uma hipótese falada nos bastidores. Entretanto, o Tal&Qual soube que haverá mais um motivo para o atraso — e que também envolve Fátima Resende Lima.
A senhora vogal, de 65 anos — casada com Fernando Lima, antigo assessor de Cavaco Silva no Governo e na Presidência da República — está a poucos meses de meter os papéis para a Caixa Geral de Aposentações. Segundo fontes do T&Q, precisa de se manter na ERC para abichar uma pensãozinha mais choruda do que aquela a que teria direito se se reformasse como funcionária da Direcção-Geral do Consumidor, organismo do Ministério da Economia a cujo quadro de pessoal pertence, e ao qual tem estado requisitada.
Actualmente, a vogal recebe da ERC uns estupendos 4.430 euros brutos por mês, mais 1.329 euros de despesas de representação. Já no serviço de origem, onde é técnica superior, o vencimento nunca ultrapassa um máximo de 3.561 euros, segundo as nossas fontes. Ora, a regra das aposentações dos funcionários públicos diz que para cálculo da pensão de velhice conta a média salarial dos últimos dez anos — e se houver uma redução súbita a média sai prejudicada.
Quer isto dizer que Fátima Resende Lima, que não se coíbe de subscrever decisões que prejudicam a liberdade de imprensa — incluindo uma deliberação de 27 de Abril contra o T&Q —, não se importa, afinal, no exercício de funções, de se envolver numa situação de ética criativa.
A entidade reguladora recusou-se a dizer-nos qual a situação face à reforma de Fátima Resende Lima — e dos outros dois vogais —, invocando a protecção de dados. Perante a nossa insistência para que aos vogais fosse pedida autorização, a ERC remeteu-se ao silêncio, o que mostra o seu interesse em dar esclarecimentos públicos.
Fátima Resende Lima diz que “a interpretação feita pelo T&Q é absolutamente abusiva porque não há nenhum facto que a sustente”. Mas não apresenta factos que sustentem outra interpretação. Argumenta que a substituição de anteriores membros do Conselho Regulador da ERC “esteve longe de ser imediata”, sugerindo assim que os atrasos no passado servem de justificação ao atraso actual. Mesmo que o argumento seja verdadeiro — e é —, não se percebe que relação tem com o tema da reforma da vogal.
Ao longo das décadas, Fátima Resende Lima, que é licenciada em Direito, tornou-se especialista em sobreviver em cargos que dependem de nomeação partidária — no seu caso, o PSD. Entre 1995 e 2002 esteve na Alta Autoridade para a Comunicação Social (que em 2005 veio a dar origem à ERC). Dali saltou para chefe de gabinete do grupo parlamentar do PSD, de 2002 a 2005.
Em Janeiro de 2012, depois de meses de pedidos fracassados ao Governo social-democrata para que a indicassem como vogal da ERC, ascendeu a directora-executiva da instituição — só com votos favoráveis dos então membros do Conselho Regulador afectos ao PSD. Finalmente, em 2018, subiu a vogal, onde agora se mantém de mandato caducado e sem ter pedido exoneração do cargo desde que terminou o seu prazo.