Os alarmes soaram com os últimos dados do INE, referentes ao encerramento de 1.281 restaurantes e estabelecimentos similares, como cafés e pastelarias que vendiam refeições, entre outubro e dezembro de 2022. Contas feitas, em média são 14 estabelecimentos a fechar portas a cada dia que passa. “Claro que são sempre dados preocupantes”, refere Mari Caiado, responsável de Comunicação da Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
Mas serão estes números assim tão preocupantes? O Tal&Qual procurou fazer a comparação com o período em que ainda nem se adivinhava que vinha aí uma pandemia, a guerra na Ucrânia ou a atual crise inflacionista e das taxas de juro e o resultado acaba por surpreender. É que, segundo os dados apurados, no primeiro trimestre de 2019 – um ano antes de a covid 19 começar a dizimar populações – fecharam 2.185 restaurantes e outros estabelecimentos de comes e bebes. Contas feitas: 24 casas por dia!
O que estará, então, por detrás da frieza dos números? Em causa podem estar, por exemplo, dissoluções fraudulentas deste tipo de empresas, que é como quem diz: fecha aqui e abre na porta ao lado, uns dias depois. “Sabemos bem que isso acontece”, adianta o revisor oficial de contas Alberto Alves Martins. “Há casos em que é feita a dissolução da empresa, o capital ativo paga o passivo e o remanescente, se houver, é entregue aos acionistas e sócios”.
Caça ao caloteiro
Até aqui, tudo bem. Então e se o ativo não cobrir todo o passivo, restarem dívidas e o homem do talho tiver conhecimento de que o caloteiro do restaurante que fechou até já abriu outra casa? “Existe a lei do gestor de facto”, esclarece Alberto Alves Martins. “Quem se sentir prejudicado terá de recorrer ao tribunal de comércio da comarca onde fica o estabelecimento. Depois, há casos em que o novo estabelecimento até está em nome de outra pessoa, mas é o devedor que lá está, realmente, a gerir o negócio. É fazer prova disso”.
O caloteiro prossegue os seus dias enquanto os fornecedores ficam a arder. Contudo, no entender deste revisor oficial de contas, muitas vezes “os maiores prejudicados até são os trabalhadores. Há casos em que são despedidos; outros que aceitam passarem para a nova empresa perdendo créditos”. É então que pode entrar em cena um novo protagonista, nestas estórias de ‘abre, fecha e não paga’: a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). “O estabelecimento pode vir a ser fiscalizado para se verificar quem são os seus funcionários. O gestor de facto pode nem sequer ter contrato com a empresa”.
E nisto? Fica a carne toda esturricada no assador? “Não. Mais uma vez, quem for vítima num caso destes deve, no âmbito do processo instaurado em tribunal, saber quem é o liquidatário da sociedade, ou seja, a pessoa que ficou responsável, perante o Registo Comercial, da dissolução ou insolvência da empresa. O liquidatário fica, automaticamente, responsável por todas as dívidas que possa haver”, remata Alves Martins.
E como provar que alguém fechou, de modo fraudulento, um estabelecimento e não pagou o que deve? Aqui, o caso fia mais fino. “Sempre que se encomenda mercadoria é suposto haver uma nota de encomenda. Quando a mercadoria é recebida, surge a fatura. Sucede que pode haver faturas que não sejam entregues à contabilidade. Neste tipo de empresas tem de haver um contabilista certificado, mas este pode não estar na posse de toda a informação. E aí essas dívidas tornam-se fantasmas”.
Para evitar esta aldrabice, há limites para os pagamentos a dinheiro. “Qualquer produto que se adquira e que custa de mil euros para cima tem de ser pago de modo a que possa ser rastreado, é uma obrigação fiscal”. Ou seja, pagamentos iguais ou superiores a mil euros, a qualquer fornecedor, só com cartões, cheques ou transferências bancárias.