DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Fechados… mas pouco!

Os dados do último trimestre do ano passado apontam para o encerramento de 14 restaurantes por dia. Nada comparado com os 24 que fechavam antes da pandemia
Isabel Laranjo

Os alarmes soaram com os últimos dados do INE, referentes ao encerramento de 1.281 restaurantes e estabelecimentos similares, como cafés e pastelarias que vendiam refeições, entre outubro e dezembro de 2022. Contas feitas, em média são 14 estabelecimentos a fechar portas a cada dia que passa. “Claro que são sempre dados preocupantes”, refere Mari Caiado, responsável de Comunicação da Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).

Mas serão estes números assim tão preocupantes? O Tal&Qual procurou fazer a comparação com o período em que ainda nem se adivinhava que vinha aí uma pandemia, a guerra na Ucrânia ou a atual crise inflacionista e das taxas de juro e o resultado acaba por surpreender. É que, segundo os dados apurados, no primeiro trimestre de 2019 – um ano antes de a covid 19 começar a dizimar populações – fecharam 2.185 restaurantes e outros estabelecimentos de comes e bebes. Contas feitas: 24 casas por dia!

O que estará, então, por detrás da frieza dos números? Em causa podem estar, por exemplo, dissoluções fraudulentas deste tipo de empresas, que é como quem diz: fecha aqui e abre na porta ao lado, uns dias depois. “Sabemos bem que isso acontece”, adianta o revisor oficial de contas Alberto Alves Martins. “Há casos em que é feita a dissolução da empresa, o capital ativo paga o passivo e o remanescente, se houver, é entregue aos acionistas e sócios”.

 

Caça ao caloteiro

Até aqui, tudo bem. Então e se o ativo não cobrir todo o passivo, restarem dívidas e o homem do talho tiver conhecimento de que o caloteiro do restaurante que fechou até já abriu outra casa? “Existe a lei do gestor de facto”, esclarece Alberto Alves Martins. “Quem se sentir prejudicado terá de recorrer ao tribunal de comércio da comarca onde fica o estabelecimento. Depois, há casos em que o novo estabelecimento até está em nome de outra pessoa, mas é o devedor que lá está, realmente, a gerir o negócio. É fazer prova disso”.

O caloteiro prossegue os seus dias enquanto os fornecedores ficam a arder. Contudo, no entender deste revisor oficial de contas, muitas vezes “os maiores prejudicados até são os trabalhadores. Há casos em que são despedidos; outros que aceitam passarem para a nova empresa perdendo créditos”. É então que pode entrar em cena um novo protagonista, nestas estórias de ‘abre, fecha e não paga’: a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). “O estabelecimento pode vir a ser fiscalizado para se verificar quem são os seus funcionários. O gestor de facto pode nem sequer ter contrato com a empresa”.

E nisto? Fica a carne toda esturricada no assador? “Não. Mais uma vez, quem for vítima num caso destes deve, no âmbito do processo instaurado em tribunal, saber quem é o liquidatário da sociedade, ou seja, a pessoa que ficou responsável, perante o Registo Comercial, da dissolução ou insolvência da empresa. O liquidatário fica, automaticamente, responsável por todas as dívidas que possa haver”, remata Alves Martins.

E como provar que alguém fechou, de modo fraudulento, um estabelecimento e não pagou o que deve? Aqui, o caso fia mais fino. “Sempre que se encomenda mercadoria é suposto haver uma nota de encomenda. Quando a mercadoria é recebida, surge a fatura. Sucede que pode haver faturas que não sejam entregues à contabilidade. Neste tipo de empresas tem de haver um contabilista certificado, mas este pode não estar na posse de toda a informação. E aí essas dívidas tornam-se fantasmas”.

Para evitar esta aldrabice, há limites para os pagamentos a dinheiro. “Qualquer produto que se adquira e que custa de mil euros para cima tem de ser pago de modo a que possa ser rastreado, é uma obrigação fiscal”. Ou seja, pagamentos iguais ou superiores a mil euros, a qualquer fornecedor, só com cartões, cheques ou transferências bancárias.