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Governo não passa cartão a deputados

Desde a tomada de posse do Governo, a 30 de março, até ao dia 20 de setembro, ficaram sem resposta 24,8 por cento das perguntas escritas feitas pelos deputados ao executivo de António Costa. Nestes seis meses de governação, das 601 perguntas remetidas pelos deputados, 149 foram ignoradas. Quanto a requerimentos dirigidos ao executivo (e já lá vamos à diferença entre perguntas e requerimentos), entre 60 houve 18 sem resposta, ou seja, 30 por cento.
Henrique Pinto de Mesquita

Desde a tomada de posse do Governo, a 30 de março, até ao dia 20 de setembro, ficaram sem resposta 24,8 por cento das perguntas escritas feitas pelos deputados ao executivo de António Costa. Nestes seis meses de governação, das 601 perguntas remetidas pelos deputados, 149 foram ignoradas. Quanto a requerimentos dirigidos ao executivo (e já lá vamos à diferença entre perguntas e requerimentos), entre 60 houve 18 sem resposta, ou seja, 30 por cento.

Estes números foram contabilizados esta semana pelo Tal&Qual a partir da informação pública disponível no site da Assembleia da República. O ministro que mais se furta a responder aos parlamentares é o das Finanças, Fernando Medina: das 26 perguntas que os parlamentares lhe colocaram, 19 ficaram penduradas, o que representa uma taxa de 73 por cento de não-resposta. Segue-se-lhe Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Mostrou-se pouco solidária para com os deputados, deixando sem resposta 57,7 por cento das perguntas: das 71 que lhe dirigiram, 41 foram ignoradas pela ministra. A completar o pódio está Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Ação Climática. Das 67 perguntas que lhe remeteram, não respondeu a 24 — o que equivale a uma taxa de ausência de resposta de 35,8 por cento.

Mas há também um prémio de bom comportamento. E vai para três ministros. Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação, não deixou sem resposta qualquer das 36 perguntas que lhe dirigiram. O mesmo se diga da ministra-adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, e do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, uma vez que também responderam a tudo — nove cada um.

 

Questiúnculas que entopem

Sobretudo por estarmos perante um Governo de maioria absoluta, os deputados mostram-se mais exigentes. Ao T&Q, o social-democrata Nuno Carvalho explica que já se tornou habitual a falta de repostas por parte do executivo. E ataca: “O Governo está desleixado. As áreas mais críticas são as do Trabalho e da Segurança Social”, refere — e com razão, uma vez que Ana Mendes Godinho é a segunda ministra que menos responde, como demonstram as contas do T&Q. Nuno Carvalho atira-se à maioria socialista: “O PS confunde confiança com arrogância. Foi-lhes dada confiança para governar, mas daí não pode resultar arrogância”. No entender do deputado, o facto de os socialistas terem uma maioria parlamentar faz com que “caiam na tentação de não responder a algumas perguntas cirúrgicas e incómodas”.

Mantendo-nos à direita, a Iniciativa Liberal considera que o PS “cultiva uma permanente tentativa de fuga ao escrutínio e às perguntas”. Di-lo o deputado Rodrigo Saraiva, segundo o qual muitas das respostas são evasivas e apenas dadas para as estatísticas. “Muitas vezes dizem ‘isso não é comigo, é com x’, o que acaba por ser contabilizado como uma resposta dada. Se não fosse este comportamento, o número de respostas efetivas desceria”, nota ao T&Q. “Fazem aquilo que querem e podem. E só não fazem mais porque a lei impõe limites”, argumenta Rodrigo Saraiva.

Virando tudo à esquerda, encontramos os comunistas. Também estes se sentem menosprezados. Fonte oficial do grupo parlamentar do PCP faz notar que as perguntas são um “importante instrumento” no âmbito das competências da Assembleia da República, uma vez que servem para fiscalizar a ação governativa. No entender do partido, a “ausência e os enormes atrasos nas respostas revelam a desvalorização, por parte do Governo PS, deste e de outros instrumentos de fiscalização, assim como um profundo desrespeito pela Assembleia da República, órgão de soberania a que o governo tem obrigação de prestar contas”.

Apesar de os partidos se mostrarem frustrados, é sabido que a ferramenta das perguntas é muitas vezes desvalorizada não só pelos governos como também pelos próprios parlamentares. Fontes da Assembleia da República explicam-nos que alguns deputados apresentam questões relativas aos círculos eleitorais que os elegem apenas com o objetivo de mostrarem trabalho perante os seus eleitores, acabando por entupir o Governo com questiúnculas. Mas o que são, afinal, estes instrumentos — ou seja, a pergunta e o requerimento?

 

Números já foram melhores…

As perguntas são “instrumentos de fiscalização e atos de controlo político que só podem ser feitas ao Governo e à Administração Pública”. Já os requerimentos, “destinam-se a obter informações, elementos e publicações oficiais que sejam úteis para o exercício do mandato de deputado, podendo ser dirigidos a qualquer entidade pública”, diz o site do Parlamento.

Lê-se no mesmo site que os deputados “podem colocar perguntas diretas, por exemplo, sobre o ponto de situação relativo ao reembolso do IRS ou sobre os problemas na abertura do ano letivo em determinada escola”. Fora isto, matérias abrangidas por segredo de Estado não podem ser alvo de questões.

Quando um deputado faz uma pergunta ou apresenta um requerimento, o Governo ou a Administração Pública estão obrigados a responder em 30 dias, de acordo com o Regimento da Assembleia da República. Contudo, o prazo raramente é cumprido.

Relativamente às duas legislaturas anteriores — ou seja, o primeiro e o segundo governos de António Costa —, ambas contabilizaram uma ausência de resposta de cerca de 13 por cento, segundo as contas do nosso jornal. O número é pequeno se comparado com os quase 25 por cento de agora. No entanto, é preciso notar duas coisas. Por um lado, estamos a comparar intervalos de tempo diferentes (os 25 por centro referem-se apenas aos primeiros cinco meses do atual Governo). Por outro lado, é hábito dos governos responderem apressadamente a perguntas e requerimentos pendentes quando estão à beira de terminar os mandatos — tudo para poderem brilhar nas estatísticas, mesmo que essas respostas à última hora sejam evasivas.

O T&Q dirigiu várias perguntas ao Ministério das Finanças e ao Ministério dos Assuntos Parlamentares com o objetivo de conhecer a posição do Governo sobre esta matéria. Ironia das ironias, não obteve resposta até ao fecho desta edição.