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Homicídio compromete governo de Cabo Verde

A morte de Zezito Denti d’Oru, um cidadão cabo-verdiano que já tinha conhecido as prisões portuguesas, está a dar que falar em Cabo Verde. Paulo Rocha, atual ministro do governo das ilhas atlânticas, é apontado como responsável de um crime com contornos de filme de ‘gangsters’. Há quem fale de encobrimentos das redes de narcotráfico
Jorge Lemos Peixoto

Paulo Rocha, ministro da Administração Interna de Cabo-Verde, é o mais jovem membro do Executivo do seu país: faz 30 anos no próximo dia 1 de abril. Mas percurso não lhe falta – ainda que sinuoso. Licenciado em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro, foi diretor adjunto da Polícia Judiciária e chefe das ‘secretas’ cabo-verdianas. Foi um dos ‘jovens turcos’ do PAICV, mas assim que o partido perdeu as eleições passou-se de armas e bagagens para a outrora oposição. Ainda o Movimento para a Democracia (MpD) festejava nas ruas a vitória, em 2016, já Paulo Rocha integrava as fileiras vencedoras. Foi premiado com a pasta da Administração Interna. Em 2021 o partido de Ulisses Correia da Silva conquistava a maioria absoluta e Paulo Rocha continuou de pedra e cal no governo.

Paulo Rocha, o ministro da polémica

Subitamente, no final do mês passado, Rocha foi constituído arguido num polémico processo que o envolve na execução violenta do cidadão cabo-verdiano José Lopes Cabral, conhecido como Zézito Denti d’Oru, ocorrida a 13 de outubro de 2014.

Zezito, antigo imigrante nos Países Baixos, não era um santo. Tinha 29 anos e já fora condenado por vários crimes que implicavam armas de fogo, roubos e falsificação de cartas de condução. Esteve preso em Portugal por tráfico de droga e foi deportado para o país natal. Em terras cabo-verdianas era considerado um assassino a soldo de Paulo Ivone Pereira, cabecilha de uma rede de tráfico internacional de droga detido num processo que agitou o arquipélago e que ficou conhecido como ‘o caso da Lancha Voadora’. Um processo que envolveu uma vasta rede internacional com ligações a cidadãos holandeses (Wilfred Terbeer e Lindon Gerje Markus) e um sírio (Kais Rashid Shaabo), contas no Luxemburgo e no ‘Deutsche Bank’ e capitais provenientes do ‘bank of Syria and Overseas’.

 

Emboscada

Os antecedentes da morte de Zezito Denti d’Oru estão ligados a outro assassinato e sequentes atos de vingança, num estilo que oscila entre os filmes de ‘gangsters’ norte-americanos e os esquadrões da morte brasileiros. Na sequência da prisão dos implicados no processo ‘Lancha Voadora’, Isabel Moreira, mãe da inspetora da Polícia Judiciária, Kátia Tavares, foi assassinada. Um grupo de encapuzados mataram-na com cinco tiros à porta da sua residência. Rapidamente correu o boato de que todos os intervenientes envolvidos na prisão dos traficantes “tinham a cabeça a prémio”.

O atual ministro, Paulo Rocha, era então diretor adjunto da PJ e constituiu uma brigada especial com vista a prevenir esses crimes. Na noite de 13 de outubro de 2014, duas equipas da PJ montaram um dispositivo de segurança na Cidadela, um bairro onde residem vários magistrados e a inspetora Katia Tavares. Um ‘Seat Ibiza’ conduzido por Adelino Semedo Lopes, conhecido por Ady, e com Zézito Denti d’Oru no lugar de passageiro, foi intercetado pela equipa da PJ. Ady foi detido e alegadamente Zezito terá empunhado uma pistola ‘Makarov’ de 9 mm e acabou abatido pela equipa de policias, todos eles armados de metralhadoras AKM. Zezito Denti d’Oru foi alvejado com mais de 20 disparos.

Pormenores do interior, incluindo a arma alegadamente empunhada por Denti d’Oru

 

Protegido com betão

Perante estes factos, o então Procurador-Geral da República Felismino Cardoso determinou, em 21 de maio de 2015, a instrução de um processo que indicava como suspeitos de crime de homicídio os elementos da Polícia Judiciária. Só que o processo andou a passo de caracol e em dezembro de 2022 a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Cabo Verde determinou o despronunciamento de Paulo Rocha, justificando que na ação que levou à morte de Zezito “não figurava nenhuma individualidade que atualmente figura como membro do governo”.

Ao T&Q, Filipe Soares, juiz jubilado atualmente a viver nos Estados Unidos, diz que “o primeiro-ministro protegeu Paulo Rocha com betão armado”. De igual modo, o ex-Reitor da Universidade de Cabo Verde, Brito Semedo, em declarações ao T&Q, disse que o governo cobre o assunto “com um manto de silêncio”. Este doutorado em Antropologia garante que o governo de Ulisses da Silva quer impor um clima de intimidação à Imprensa sobre esta matéria.

O mesmo confirma ao T&Q Herminio Silves, diretor do jornal ‘Santiago Magazine,’ que foi constituído arguido por quebra de segredo de justiça e depois por desobediência qualificada. “Querem impor-nos uma mordaça”, garante. “O sistema judicial que protege o ministro está a punir-nos por cumprirmos a missão de informar”. O mesmo sucede com alguns elementos da PJ que não se conformaram com esta situação. “Foram alvo de buscas domiciliárias feitas pela Polícia Nacional, que está sob a tutela de Paulo Rocha”, disse ao T&Q Hermínio Silves.

Na sequência do despronunciamento do atual ministro, a PGR manteve em separado processos contra três inspetores da PJ por “violação de segredo de justiça”. Isto porque Gerson Lima, um desses inspetores ouvido por Vital Moeda, magistrado do Ministério Público da cidade da Praia, foi claro a imputar responsabilidades ao ministro. Nas declarações do inspetor, a que o T&Q teve acesso, Gerson Lima afirma “foi o senhor Paulo Rocha, na qualidade de diretor adjunto da PJ, quem delineou o plano para matar a vítima (Zezito)”.

Em relação à arma que teria sido empunhada por Zezito Denti d’Oru, o seu acompanhante naquela noite, Adelino Lopes, Ady, desafiou “a PJ a apresentar a arma que Zezito possuía”. Isto porque a Makarov de 9 mm exibida pelas autoridades judiciais tinha as balas todas no carregador. E o inspetor Gerson Lima garante que Paulo Rocha tinha “ordenado a César Lopes – responsável pelas armas apreendidas pela PJ – que providenciasse uma arma de fogo Makarov, para encenação, como sendo a arma da vítima”.

Mas a família de Zezito não se conformou e, logo a seguir ao arquivamento, requereu ao Tribunal da Comarca da Praia, ainda em dezembro, a abertura da audiência contraditória preliminar. O caso foi reaberto e o procurador Vital Moeda determinou no seu despacho que Paulo Rocha fosse constituído arguido, salientando que “é preciso apurar se, de facto, Paulo Rocha delineou um plano para assassinar José Lopes Cabral”. Se assim acontecer, é certo e sabido que o ministro terá de sentar-se no banco dos réus. Mas ainda vai ter de esperar: é que Mirta Teixeira, a juíza selecionada para este caso, pediu escusa por ser mãe de uma filha do ministro, havendo agora que escolher novo magistrado.

Na capital de Cabo Verde o assunto está a dar que falar e há quem diga que o esforço de silenciamento pode envolver uma tentativa de ocultar outras ramificações do narcotráfico.