DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Lágrimas de crocodilo

Eram átrios assombrados num filme de terror: no pátio da escola secundária, centenas de rapazes e raparigas apanhados nas redes anti-sociais deambulavam como fantasmas, de telefone na mão, teclando incessantemente no meio do silêncio tumular, espectros sem alma, espantalhos de um mundo paralelo, de uma irrealidade patológica, trocando mensagens num patoá sincopado, fragmentos de YouTube e de TikTok numa www escura como um poço. O pesadelo erigido em vício curricular.

Depois, pouco a pouco, agora uma e amanhã outra, as escolas foram despertando deste pesadelo. As privadas foram pioneiras. Entre as públicas, a primeira a condicionar o uso do smartphone, o telefone armado em esperto, foi a de Santa Maria da Feira, em 2017. Num primeiro passo desapareceram da sala de aula; depois, também dos corredores e do pátio de recreio. Outras escolas seguiram-lhe o exemplo. Hoje, um considerável número de estabelecimentos públicos de ensino está livre dessa tirania escravizante. Das salas de aula ausentou-se, de cabeça baixa e cauda entre as pernas, o smartphonismo – e com ele a distracção permanente, o Português escarangado das sms, a troca de insultos e abusos na ponta dos dedos, as selfies, a dependência, o relógio das horas artificiais, a vida resumida a bonecos coloridos.

A esses átrios assombrados regressaram rapazes e raparigas de carne e osso. Nos tempos livres, o smartphone deu lugar à biblioteca e aos jogos, à conversa e à bola, o silêncio sepulcral de anteontem foi substituído pelo riso, pela música, pelo salto, pelo grito, pela alegria barulhenta do recreio. A vida real.

O problema da amputação da vida e da comunicação pelo smartphone não é exclusivo nosso: pedagogos de vários países europeus levam já anos de estudo deste caso. Em França, o uso de telemóveis está interdito em todo o espaço escolar; os Países Baixos aprovaram idêntica regulamentação, que vigorará já no próximo ano; no Reino Unido, como é próprio do seu sistema de ensino liberal, cada escola e cada colégio decide por si, mas a grande maioria exige que os aparelhos permaneçam desligados ao longo do período escolar; por toda a Europa se pondera idêntico banimento, ressalvadas as situações de excepção. E num âmbito mais vasto, sinal de que a questão é planetária, a Unesco apelou em Julho à proibição geral dos telemóveis na escola.

Por cá, são diversas as modalidades em uso: smartphones desligados e guardados nas mochilas, ou ligados mas mantidos em silêncio, ou depositados em cacifos próprios, podendo ser usados em caso justificado. E o mais interessante é que os alunos são os primeiros a aderir à batalha da inteligência contra o telefone esperto. Eles são os primeiros a saber que a vida é mil vezes preferível aos purgatórios artificiais.

 

Um país a gaguejar

Está cada vez mais difícil perceber o que os locutores das rádios e televisões dizem. A cada sílaba fazem uma pausa inútil, prolongam os ãããããs, gaguejam e hesitam, enganam-se, tropeçam nas consoantes e atropelam as vogais – numa embrulhada aos solavancos que chega a ser penosa. Muitas vezes, quando chegam ao fim da frase já não nos lembramos do início. Por favor, levem esses manequins gaguejantes para uma escola de locução onde aprendam a ler uma frase de forma escorreita. Como se fazia nos ditados da escola primária de antigamente.

Jorge Morais
Jorge Morais