DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Juízes fora de prazo

Dois dos treze juízes do Tribunal Constitucional, Pedro Machete e Lino Ribeiro, têm o mandato caducado. Ainda assim, apesar de estarem fora de prazo, os seus votos foram decisivos para o chumbo da lei da eutanásia
Manuel Catarino

Juízes do Tribunal Constitucional com o mandato caducado podem manter-se no cargo e na plenitude de funções? Sim, podem! Tanto que os votos dos dois conselheiros fora de prazo, Pedro Machete e Lino Ribeiro, foram decisivos para o chumbo da lei da eutanásia — a 30 de janeiro, pela segunda vez. Ambos fazem parte do grupo de cinco conselheiros que compõem a ala conservadora do tribunal, indicada pela direita parlamentar.

O mandato de Pedro Machete, que também é vice-presidente do tribunal, terminou em outubro de 2021 e o de Lino Ribeiro acabou em junho do ano passado. Não foram substituídos. O Tribunal Constitucional (TC), o último garante do cumprimento da lei fundamental, continuou a funcionar sob uma terrível suspeita: o processo de substituição foi deliberadamente arrastado para que a lei da eutanásia fosse chumbada — tal é a convicção de Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático de Direito Constitucional, em declarações ao Tal&Qual.

A lei da eutanásia, enviada pelo Presidente da República para o TC, foi reprovada por uma unha negra: sete conselheiros contra seis — o suficiente para ter sido considerada inconstitucional sem apelo nem agravo. Os votos dos dois juízes com o mandato caducado foram decisivos para o chumbo.

O TC, ao contrário dos tribunais judiciais, é controlado pela Assembleia da República. Reflete, pelo menos, a cor política da maioria parlamentar em cada momento da eleição dos juízes. O tribunal é composto por 13 conselheiros: dez são indicados e eleitos pelo Parlamento e os restantes três são escolhidos por cooptação dos seus pares. Todos cumprem um mandato de nove anos. Pedro Machete e Lino Ribeiro, os juízes fora de prazo, são dois dos três cooptados. O outro é o juiz-presidente do tribunal, João Caupers, cuja missão caduca no próximo mês de março.

 

Guerra no Ratton

A sede do TC, o oitocentista Palácio Ratton, na Rua de O Século, em Lisboa, já não é o mesmo local de trato afável de outros tempos — quando os conselheiros, embora divididos entre conservadores e de esquerda, ainda se cumprimentavam com gestos amáveis de inteira franqueza. As relações entre alguns dos 13 juízes, eleitos e cooptados, deterioram-se irremediavelmente em maio do ano passado. O Palácio Ratton é desde então um autêntico campo entrincheirado.

A guerra estalou com o chumbo da cooptação de António Almeida Costa para substituir Pedro Machete. O nome fora proposto pelo setor mais conservador. António Almeida Costa, professor catedrático da Faculdade de Direito do Porto, envolveu-se numa acesa polémica, ainda em 1984, pelas suas posições antiaborto —  convicto de que as mulheres raramente engravidavam se fossem violadas.

O candidato precisava de sete favoráveis entre os 10 conselheiros eleitos pela Assembleia da República. Numa primeira votação, foi chumbado: seis votos a favor, quatro contra. A votação foi repetida — uma, duas, três, quatro vezes. Nada feito. O resultado final, por voto secreto, acabava sempre da mesma maneira: Almeida Costa tinha o apoio de seis juízes e merecia a censura de quatro.

Três juízes da ala esquerda do TC — Mariana Canotilho, Assunção Raimundo e António Ascensão Ramos — estavam publicamente contra a eleição de António Almeida Costa. Partindo do princípio de que o candidato contou com os cinco votos da ala direita, bastar-lhe-ia o voto favorável dos outros dois juízes de esquerda — José João Abrantes e Joana Fernandes Costa —, mas só terá conseguido convencer um deles.