DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Justiça caça “patrões” do Correio da Manhã

Alerta Tal&Qual. Os patrões da Cofina, Paulo Fernandes e João Borges de Oliveira, estiveram envolvidos no esquema de branqueamento e fuga ao fisco desmantelado pela ‘Operação Monte Branco’. Correio da Manhã e Sábado publicaram resmas de páginas sobre o escândalo — mas nem uma sílaba sobre os seus acionistas.
Manuel Catarino

Quem tem amigos como Nicolau Weber Figueiredo — um suíço de ascendência portuguesa ligado à alta finança — não precisa de ter inimigos. Que o digam João Borges de Oliveira e Paulo Fernandes, dois dos maiores acionistas da Cofina. Quando foi detido às ordens do procurador Rosário Teixeira, por suspeita de liderar uma rede de branqueamento de capitais, Nicolau Figueiredo denunciou boa parte da clientela que, recorrendo aos seus serviços, colocava o dinheiro no estrangeiro a salvo da gula da Autoridade Tributária — e, entre eles, os patrões da CMTV, do Correio da Manhã e da Sábado.

Abril de 2012. Passos Coelho é primeiro-ministro há um ano, a ‘troika’ é quem manda, o país vive à míngua e sob resgate financeiro internacional. José Sócrates, o anterior chefe do governo, estuda em Paris: está instalado num luxuoso apartamento do quarteirão de Passy, no coração do bairro 16, o mais caro da capital francesa. Uma equipa de procuradores do Ministério Público coordenada por Rosário Teixeira esquadrinha consideráveis movimentos de milhões de euros que passaram ao largo das Finanças. Os investigadores não têm dúvidas de que desfiam um novelo que os levará ao maior caso de fraude fiscal e branqueamento de capitais em Portugal.

As primeiras pistas surgiram ainda o procurador Rosário Teixeira perseguia as falcatruas no Banco Português de Negócios (BPN). O rasto do crime, tão leve como pegada em chão duro, guiou o Ministério Público, passo a passo, a uma insuspeita loja na Rua do Ouro, em Lisboa — a Montenegro Chaves, propriedade de Francisco Canas, conhecido como ‘Zé das Medalhas’, antigo cambista que a moeda única converteu ao negócio da medalhística. O estabelecimento era a principal porta de saída de muitos milhões que o próprio Canas transportava em malas para a Suíça. Não estava sozinho na traficância. ‘Zé das Medalhas’ era um mero intermediário entre a clientela que queria o dinheiro lavado e a recato e dois especialistas em lavagem e tratamento dos maços de notas — Michel Canals e Nicolau Weber Figueiredo, ambos administradores da Akoya, uma firma com sede em Genebra, dedicada à gestão de fortunas, e, entretanto, dissolvida.

O Ministério Público suspeita que, entre abril de 2006 e maio de 2012, foram clareados em ardilosas e sofisticadas barrelas cerca de 200 milhões de euros. O dinheiro, transportado em malas para a Suíça, era entregue aos cuidados da Akoya, que tinha artes para o depositar em ‘offshores’ ou, por exemplo, em bancos de Singapura. Uma parte ficava por lá, em segurança e a salvo das garras da Fazenda. Outra parte, a brilhar em asseio, voltava a Portugal.

A investigação acelerou em maio de 2012. O Ministério Público pôs em marcha a ‘Operação Monte Branco’. Michel Cannals, Nicolau Figueiredo e Francisco Canas foram detidos. O juiz Carlos Alexandre decretou-lhes a prisão preventiva. Amargaram fechados em prisão prevventiva durante cinco meses, até outubro. Canas conformou-se com a prisão domiciliária. Foi libertado em maio de 2013. Morreu em 2017.

 

Nicolau conta tudo

Numa operação conduzida pela Polícia Judiciária, na execução de 30 mandados de busca, foi apreendida uma longa lista dos clientes portugueses da Akoya. Não havia nomes. Apenas números de código. Nicolau Figueiredo, preso preventivamente, aceitou colaborar com a investigação. Interrogado pelo procurador Jorge Rosário Teixeira, em 25 de setembro de 2012, o gestor de fortunas, na presença do seu advogado, Paulo Farinha Alves, identificou, um por um, os clientes que constavam do rol.

Confirmou, por exemplo, que o número ‘2.6’ correspondia a João Borges de Oliveira. Tão ilustre cliente, acionista e administrador da Cofina, recorreu à Akoya e utilizou duas entidades, a Malloy e a Laferty, para abrir contas em Singapura. Ainda de acordo com o depoimento de Nicolau Figueiredo, a que o Tal&Qual teve acesso, Borges de Oliveira abriu uma conta no banco suíço Lombard Odier em nome da Dolmex Holding — para onde “transitaram cerca de meio milhões de euros e mais 2,5 milhões em outros ativos”.

A memória de Nicolau, espicaçada pelos quatro meses que já levava em prisão preventiva, identificou outro cliente a quem fora atribuído o código ‘2.7’. Afirmou ao procurador Rosário Teixeira que se tratava de Maria Pereira Almeida, mãe de Paulo Fernandes, acionista e presidente da Cofina. O nome é um detalhe. O ex-banqueiro suíço confirmou que foi com Paulo Fernandes que se reuniu de todas as vezes em Lisboa no “âmbito da gestão da conta”. O patrão da Cofina utilizou a firma Hagermon para abrir uma conta, através da Akoya, no banco suíço Piguet. Os depósitos desta conta seriam transferidos para uma outra em Singapura — conta que “chegou a ser debitada para a disponibilização de fundos em Portugal”.

 

Corrida às Finanças

O Governo chefiado por Passos Coelho fez aprovar, ainda em 2012, uma verdadeira tábua de salvação — a que se agarraram como náufragos a generalidade dos clientes da Akoya. O novo Regime Extraordinário de Regularização Tributária provocou uma corrida dos nomes envolvidos no esquema de branqueamento a acertarem contas com as Finanças para se livrarem do escândalo. A Autoridade Tributária terá arrecadado em pagamentos voluntários cerca de 40 milhões de euros.

Mas, onze anos depois, o Ministério Público ainda não deduziu uma acusação. O processo tem sete arguidos. A dificuldade está precisamente no apuramento final das contas prestadas ao Fisco: enquanto não se souber, com rigor, quem pagou o quê e se há implicados que ainda devem às Finanças — o processo vai continuar em banho-maria. O procurador Rosário Teixeira ainda vai para casa jubilado antes que a acusação veja a luz do dia.