Chego ao final de Dezembro com um sorriso amargo nos lábios.
O sorriso:
No ano que agora termina a Imprensa portuguesa manteve praticamente o número de leitores que tinha em 2021. E, sim, ter ficado na mesma já é uma boa notícia. Os dados são do Bareme Imprensa da Marktest (e cito): “Ao longo de 2022, foram 5,7 milhões os portugueses que contactaram com jornais ou revistas. O Bareme Imprensa contabilizou 5 milhões e 662 mil residentes no Continente com 15 e mais anos que, em 2022, leram ou folhearam jornais ou revistas, o que representa 66,1% do universo em estudo. Isto significa que dois em cada três portugueses contactaram com este meio ao longo do ano. A audiência média de Imprensa no mesmo período foi de 35,7%, percentagem de portugueses que leram ou folhearam a última edição de um qualquer título de Imprensa estudado no Bareme Imprensa, num total de 3 milhões e 59 mil indivíduos”. Nada mau, digo eu.
Por outro lado, a ter-se mantido o padrão sociodemográfico anterior, a maior afinidade com a Imprensa continua nos leitores com idade entre 35 e 54 anos, nos quadros médios e superiores e nos indivíduos das classes mais elevadas. Não se pode ter tudo.
A perda de leitores na grande massa do povo acalentou o erro de se pensar que os jornais tinham os dias contados. Ora, como aqui escrevi em Junho do ano passado, “o tempo provou que a notícia da morte da Imprensa era manifestamente exagerada, tanto por cá como no resto da Europa. Desenvolveram-se, é certo, outras formas de comunicação rápida, veículos ideais para o recado instantâneo, para o flash noticioso – e a Imprensa diária tradicional decaiu necessariamente com a ascensão da internet, das redes sociais, das várias formas de tv, das novas gerações de telemóveis”.
Era inevitável que quem dantes lia a imprensa superficialmente, gastando as letras gordas só para ter uma ideia da espuma do momento, acabasse por transferir-se para os noticiários rápidos e (aparentemente) gratuitos dos novos meios. Quem ficou com a Imprensa foi quem sempre precisou dela, não só para saber, mas sobretudo para compreender o que vai pelo mundo. Como então sublinhei, a Imprensa continua a ser o veículo privilegiado do jornalismo de esclarecimento. Isto explica os números do Bareme Imprensa da Marktest.
O amargo:
Mais complexo é o problema da abstinência de leitura abaixo dos 35 anos – porque é, em simultâneo, um problema que aflige todos os sectores da vida social. Muitos dos mais jovens não se abstêm apenas de ler jornais: eles abstêm-se de ler seja o que for, com reflexos inevitáveis na sua fraca participação na vida comunitária, na sua preparação deficiente para a vida real e, de um modo mais genérico – digamo-lo com frontalidade –, na sua capacidade de raciocínio.
Para muitas destas pessoas (umas jovens, outras já nem tanto), tudo o que ultrapasse o tamanho do ecrã do telemóvel já constitui esforço excessivo. Com a comunicação limitada a bonecos e monossílabos, não admira que a sua capacidade de atenção e concentração se esgote ao fim de vinte segundos e que a sua percepção da realidade envolvente não lhes permita fazer comparações ou opções fundamentadas. Receio que, em determinadas faixas etárias agarradas aos pequenos vícios da electrónica de massas, este seja o padrão dominante – e não servem de consolo os dez por cento do costume que constituem a excepção.
Este problema não pode a Imprensa resolver: terão de ser os parlamentos, os governos e as comunidades pedagógicas a tomar o encargo de inverter, na urgência de uma ou duas gerações, a tendência arrepiante para a inutilidade mental. E não falo apenas de Portugal: o sintoma está generalizado, a doença galga fronteiras. Mas os remédios também são universais.
Votos de boa passagem. E venha 2023!