DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

“Marcelo ainda não encontrou o jeito”

De novo na Figueira da Foz, distanciado da intriga política, Pedro Santana Lopes está nas suas sete quintas. Mas não perdeu aquele seu sentido crítico relativamente ao que se passa no País, não se coibindo de apontar o dedo ao governo e, também, ao Presidente da República, de quem esperava mais.
Jorge Lemos Peixoto

Tal&Qual – O Pedro Santana Lopes já saiu mesmo do PSD?

Pedro Santana Lopes – Do PSD saí, do PPD/PSD nunca…

T&Q – Sente falta do Pedro Santana Lopes mais interventivo?

PSL – Como é que lhe hei de dizer?, deixe cá ver… Sim, às vezes sinto saudades de mim próprio.

T&Q – Ficou sensibilizado por Luís Montenegro, no dia a seguir a tomar posse como líder do PSD, o ter vindo visitar?

PSL – Foi um gesto bonito da parte dele. Teve a nobreza de vir ter com alguém que saiu, foi uma prova de carácter.

T&Q – Falaram num eventual regresso, claro…

PSL – Falámos. Mas eu disse-lhe que, durante este meu mandato, até por questões jurídicas e éticas, não devo voltar.

T&Q – E como é que o PSD aqui da Figueira recebeu esta visita do novo líder, que eles tanto combateram ainda não há um ano?

PSL – O novo PSD da Figueira, muito bem. Se fosse com os outros, com os que cá estavam no ano passado, esses até desmaiavam (risos).

T&Q – Vai haver outras eleições na Figueira com Pedro Santana Lopes?

PSL – Faço tenções disso. Gostava de ter esse gosto, de ir à confirmação.

T&Q – E será que não vai existir ‘uma Lisboa’ outra vez?

PSL – Espero bem que não. E não vai haver. Estou bem na Figueira. Os figueirenses gostam de que eu cá esteja, e eu gosto de cá estar. O que quero realmente é continuar na Figueira da Foz, na minha ‘região autónoma’, como eu lhe chamo.

T&Q – Como é que viu as negociações do governo com os municípios, através da Associação de Municípios, sobre a transferência de competências da administração central para as autarquias?

PSL – Há coisas incompreensíveis. A ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, foi ao ponto de dizer em cada concelho quais os equipamentos que vão apoiar, só nos faltava mais essa! Quem é que diz o que no meu concelho tem de ser apoiado? O governo, o próprio Estado central, o próprio partido? Mas está tudo doido? Houve um tempo em que o líder da ANMP era de um partido diferente do governo, e acho que isso devia voltar a ocorrer, ainda por cima em tempos de maioria absoluta.

T&Q – Em questões objetivas, com o que é que não concorda?

PSL – Tiraram os centros de saúde quase todos das candidaturas. Gostava de ouvir o que os socialistas da Figueira têm a dizer sobre isto. E os deputados do distrito? Algum deles falou nisto no debate do estado da nação? Não… Isto mexe com as pessoas, é a saúde. Estive a ouvir esse debate e pensei: mas onde é que estes tipos vivem? Falta conhecimento, falta classe, falta sentido de responsabilidade. E falta a coragem, essencial para se fazer política. Hoje em dia, agora, a política é muito mais bocas do que argumentos ou propostas sérias…

T&Q – Mas na saúde há falta de meios. Como é que se pode resolver isto?

PSL – Isso leva-nos mais longe. Verdade seja dita que isto de fechar centros de saúde não começou nos governos do dr. António Costa, vem de longe, e não só da ‘troika’ – já no governo do Eng.º Sócrates isso acontecia, e eu sempre falei contra isso. O problema é que a economia do país não cresce ao nível que devia crescer. Crescemos cinco ou seis por cento, mas viemos de lá de baixo. Cada um por cento são dois mil milhões de euros ao ano. Devíamos crescer mais dois por cento e assim tínhamos mais dinheiro. Para isso são precisas decisões, e decisões certas.

T&Q – Também acha que o Presidente fala mais para o primeiro-ministro do que para o país?

PSL – Antes falava. Agora não está fácil. Sempre defendi e continuo a defender a solidariedade institucional. Os presidentes não devem servir para dificultar a vida aos governos.

T&Q – Fala por experiência própria?

PSL – Falo, e acho uma estupidez essa coisa de os segundos mandatos serem diferentes dos primeiros. O Presidente no primeiro mandato funcionou muito bem com o Dr. Costa?  Ótimo! Continue a funcionar, mas há verdades que têm de ser ditas.

T&Q – O que falta ao presidente Marcelo?

PSL – Acho que ainda não encontrou o jeito para dançar ao som da maioria absoluta. Não estou a dizer que deva discordar do governo. Mas, por exemplo, o país tem de ter duas grandes causas, a do crescimento económico e a da Justiça. Claro que o presidente não consegue isso com um estalar dos dedos, mas pode falar. E não vejo nada disso.

T&Q – Acha o presidente fraco politicamente?

PSL – Não sei, tenho-o achado algo limitado pelas circunstâncias, parece que não quer ser desagradável. Eu conheço-o, sei que ele gosta de ser amado, todos nós gostamos, mas ele gosta muito. Às vezes temos de tomar decisões difíceis, e governar hoje em dia não se limita a tomar decisões para agradar a todos, tem de se ir mais longe.