Ainda na ressaca da crise política, e deste agudizar de relações entre Belém e S. Bento, o Tal&Qual convidou a comentadora Helena Matos a analisar o comportamento do Presidente da República – um homem, segundo ela, “profundamente só” e que tem a solidão como a sua “primeira pele”…
Gelado sempre. Santini de preferência. Ou um bife na Portugália — eis o que come o nosso Presidente da República nos momentos em que as crises o levam a sair de Belém e vir, como o próprio explica, testar a sua popularidade junto dos transeuntes. Há anos que Marcelo ilude a sua imensa solidão no espavento e no alarde duma popularidade sem igual. Dá dois passos, um beijo, engole um pedacinho de gelado, mais um beijo, duas declarações aos jornalistas… e regressa ao palácio convicto que está mais popular que nunca.
Marcelo o comentador comentou tudo e todos, comenta o que deve e sobretudo o que não deve, mas nunca conseguiu comentar Marcelo Presidente da República. Se o tivesse feito, ou melhor se conseguisse fazê-lo, teria detectado a solidão que emana da sua figura que o passar dos anos tem tornado ainda mais leve.
A solidão é em Marcelo uma primeira pele. Sim, já era assim muito antes de chegar a Belém. Quando Marcelo foi eleito Presidente pela primeira vez, Maria João Avillez recordou um episódio acontecido anos antes, mais precisamente em 2004, quando Marcelo deixara a TVI em conflito com a administração daquela estação: “Naquele cair de tarde, longe do écran, do sucesso, da influência, do poder – se havia coisa que ele perseguia e usava, era poder e influência –, Marcelo estava em pleno desamparo de si próprio. Sem chão debaixo dos pés. Fui dar com ele sozinho em casa, terrivelmente engripado e comendo um jantar frugal (“janto todos os dias esta mesma salada”).”
Esta frase “janto todos os dias esta mesma salada” ocorre-me sempre que vejo Marcelo naquele afã de testar a sua popularidade. Sim, muito do comportamento errático de Marcelo torna-se subitamente lógico se tivermos em conta que estamos perante um homem profundamente só. No seu espaço político, que pretendeu refundar, quem confia nele? Quem é a sua gente? Quem são os seus amigos? Na casa a que regressa, que outras vozes se ouvem? Que conversas vai ter? Quem entre a sopa e a fruta lhe diz que nesse dia esteve bem ou antes pelo contrário lhe sugere que corrija isto e aquilo? Quem lhe conta o que ouviu na rua um condutor dizer?… Tudo isto faz falta, muita falta, a um político. Dá-lhe chão. Liga-o ao mundo.
A salada embalada, repetida dia após dia, não é portanto uma questão gastronómica, é sim um símbolo da solidão e da falta de vida comum de Marcelo, mesmo e sobretudo quando a salada foi trocada pelas ementas dos jantares oficiais.
Vejo por aí sonhos (ou talvez pesadelos!) de que Marcelo Rebelo de Sousa repita o exemplo de Mário Soares e entre numa táctica de desgaste do primeiro-ministro e de guerrilha ao Governo. Não acredito que tal vá acontecer. Não porque Marcelo não o deseje, mas sim porque Marcelo não pode. Animicamente ele não é Mário Soares, e enfrentar um partido de poder, mais a mais se esse partido for o PS, não é tarefa para um homem que no fim do dia regressa a uma casa vazia. Sobretudo se essa casa for uma residência oficial.