DIRECTOR: BRUNO HORTA  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Mexicanos do CostaTerra denunciados na Europa

Os negócios de milhões do grupo mexicano CostaTerra na freguesia de Melides, concelho de Grândola, na paradísica costa alentejana, andam nas bocas do mundo e não pelas melhores razões. O que o Tal&Qual tem denunciado foi agora objeto de uma grande reportagem do canal Arte e está a incendiar os meios ambientalistas europeus
Jorge Lemos Peixoto

O prestigiado canal europeu Arte TV exibiu no final do ano passado um documentário de 30 minutos que arrasa a forma como a fúria imobiliária ligada a um turismo de luxo, com a conivência de autoridades nacionais e municipais, está a destruir todo o ecossistema da região do litoral alentejano a sul de Setúbal.

Na península de Troia, na Comporta e até Grândola, grandes empresas multinacionais ligadas aos investimentos turísticos estão a edificar megaprojetos, com hotéis, aparthotéis, aldeamentos de luxo, resorts, restaurantes e campos de golfe. Grande parte destes empreendimentos são edificados em solo dunar, outros promovem alterações irreversíveis na flora e fauna local, todos eles a menos de cinco quilómetros da orla marítima.

O caso mais gritante é exatamente, como o T&Q tem noticiado, o de Grândola, onde, com a cumplicidade opaca e silenciosa de uma câmara comunista, os milhões de um grupo mexicano com génese no clã Hank, dono de um império financeiro fundado por Carlos Hank González, conhecido como ‘El Profesor’, retratado na série da Netflix ‘Narcos’, ditam lei, impõem regras e condicionam políticas.

Um investimento que se calcula superior a 500 milhões de euros faz calar tudo e todos, mesmo aqueles que dizem o que Maomé não diz do toucinho sobre o capitalismo explorador. À sombra da foice e martelo, o tentacular grupo económico faz o que quer sem dar cavaco a ninguém. A ‘terra da fraternidade’, cantada por Zeca Afonso e imortalizada como a senha decisiva do 25 de Abril, está transformada numa terra onde já não é o povo quem mais ordena, mas sim o poder do dinheiro.

No documentário ‘Le Portugal face aux palaces verts’, exibido pela cadeia Arte TV, na rubrica ‘Regards’, assinado pela jornalista Salomé Hurel, com edição de Eric Chevalier e redação de Renaud Villain, é desmontada a propaganda do grupo CostaTerra e as suas alegadas preocupações ecológicas.

 

 

Abandalhar a Constituição

O T&Q já tinha constatado e denunciado a completa impunidade do grupo mexicano que, entre outras irregularidades, impede a livre circulação em vias públicas, com os funcionários da empresa de segurança contratada pelo CostaTerra a intimidarem quem se aproxima dos portões do empreendimento, fotografando pessoas, viaturas e as respetivas matrículas, agindo como se fossem uma força operacional de polícia ao arrepio da lei e sem que qualquer autoridade nacional ponha cobro ao desmando. É como se Grândola já fosse a cidade de Tijuana ou Juárez, locais ondes os cartéis é que decidem a vida dos cidadãos.

O mais afrontoso é que os cartazes pendurados nos portões do ‘resort’ que ditam “entrada proibida” invocam o artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, na sua alínea 1. Só que este artigo apenas refere que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte”. O enxovalho à suprema lei da República é assumido pela administração do grupo, que tenta tomar os portugueses por parvos, como se deste modo estivesse constitucionalmente autorizada a impor restrições à circulação nas vias públicas.

 

Os seguranças ao serviço do grupo mexicano comportam-se como se fossem uma força operacional de polícia. O desplante do CostaTerra vai ao ponto de invocar, totalmente a despropósito, a Constituição da República

 

O POC que os pôs

E o que quer esconder o grupo CostaTerra com tantos limites à livre circulação de pessoas? A resposta é dada pelas imagens do documentário que tem como cicerone Maria Santos, uma engenheira ambiental de 28 anos, fundadora do movimento ‘Dunas Livres’. Na reportagem é visível, através de filmagens feitas por drone, a enormidade da destruição que o empreendimento CostaTerra está a levar a cabo. Pode ver-se com toda a clareza a construção sobre o ecossistema dunar e a implantação de um campo de golfe a 500 metros da orla marítima.

A zona de construção compreende a área POC (Programas da Orla Costeira) de Espichel Odeceixe, que engloba, no concelho de Grândola, as freguesias de Melides e Carvalhal. Os POC abrangem uma faixa ao longo do litoral com uma largura mínima de 500 metros, podendo ir até mil metros, destinada a proteger os sistemas biofísicos costeiros. Nos termos da resolução do Conselho de Ministros que criou o POC de Espichel a Odeceixe, é declarada a pretensão de “garantir a proteção dos valores biofísicos e funções ecológicas associadas com vista à preservação do sistema dunar existente e a sua evolução natural enquanto primeira linha de proteção face aos fenómenos de erosão e de galgamento, assumindo particular relevância em cenários de alterações climáticas”.

Mas o grupo mexicano gaba-se de ter direitos especiais no seu projeto para construir um campo de golfe a 500 metros do oceano. O negócio dos mexicanos teve como bandeira a empresa multinacional ‘Discovery Land’, um grupo que explora resorts de luxo um pouco por todo mundo, nomeadamente nos Estados Unidos, México e Costa Rica. Só que atualmente, conforme o T&Q já noticiou com base em investigações no México em conjunto com a revista Proceso, não há vestígio da ‘Discovery Land’ no capital da CostaTerra, Sociedade Imobiliária de Grândola, que é para todos os efeitos a proprietária do projeto de Melides.

Numa publicação da ‘Discovery’ sobre o empreendimento imobiliário/turístico de Melides, refere-se que as licenças de construção dos hotéis, das casas e do campo de golfe já tinham sido obtidas pela família Queiroz Pereira, que era detentora dos terrenos depois de os ter adquirido, em setembro de 2008, ao suíço Andreas Reinhard.

“A área em que estamos a construir tem mais de 60 quilómetros de praia – é a maior extensão de praia na Europa tão perto de uma capital”, gaba-se a publicação da comercializadora do projeto. O que o grupo quer ignorar é que a Declaração de Impacte Ambiental que sustentou o projeto no tempo de Queiroz Pereira já tem mais de 15 anos e entretanto o projeto do campo de golfe sofreu alterações de localização.

 

Melides, 30/08/2022 – Reportagem no Costa Terra
(Diana Quintela/ Tal e Qual)

 

Autoestrada de quatro faixas

As infraestruturas já estão construídas e foram fiscalizadas pela empresa de engenharia Engexpor. Esta empresa garante que o resort está projetado para uma herdade de 850 hectares, mas “com 75 por cento de áreas verdes”. No entanto, no documentário, a engenheira Maria Santos chama a atenção para a destruição de espécies autóctones raras que floresciam nas orlas dunares e agora foram suprimidas.

A Engexpor salienta que “as infraestruturas foram executadas para um projeto imobiliário que prevê a edificação de hotéis, aparthotéis, aldeamentos turísticos e moradias. Na área de lazer e serviços estão projetados campo de golfe, centro equestre, clínica ‘wellness’, clubes de ténis, ginásios e um fórum comercial”. Para amenizar, dizem que também estão projetados um centro ecuménico e um centro de documentação da natureza. É caso para dizer: com deus e os anjos!

Já construídas estão quatro faixas de rodagem que mais parecem autoestradas, com duas vias para cada sentido. Há meses, a reportagem do T&Q foi barrada à entrada do empreendimento, mas conseguiu ultrapassar a interdição ilegal contornando por vias de terra batida e entrando assim nos terrenos do resort. Mal pusemos a viatura na larga zona asfaltada fomos abordados, de forma intimidatória, pelos seguranças ao serviço do grupo mexicano, que nos quiseram identificar e fotografaram a nossa matrícula, escoltando-nos até à saída, onde de novo nos tentaram barrar. A perseguição só parou já em plena estrada nacional 261, junto à bifurcação de Pinheiro da Cruz. Um verdadeiro faroeste alentejano!

 

Jeff Bezos e o jardineiro

Maria Santos, que em nome da ‘Dunas Livres’ dá voz ao documentário da televisão europeia, descreve que em nome de um “ecoturismo de luxo escondem-se graves problemas de betonização de áreas protegidas e desertificação de solos, com capturas de furos para rega dos campos de golfe”.  Tudo isto com a cumplicidade de autoridades locais e nacionais.

A associação ‘Dunas Livres’ elaborou o recenseamento dos abusos dos promotores imobiliários que constroem sobre zonas protegidas – e no documentário é trazido à evidência o branqueamento travestido de ecológico destes promotores, o ‘greenwashing’, conforme é referido na reportagem que agora está a indignar os meios ambientalistas franceses e europeus.

O que há de comum entre Jeff Bezos, o multimilionário dono da Amazon, e o jardineiro Mário? – pergunta a jornalista da Arte TV, Salomé Hurel. Ambos frequentam o mesmo quiosque de jornais, na zona da Comporta, só que Bezos pode ali ficar e o jardineiro, que sempre ali viveu, está ameaçado de expulsão. É que na região, à medida que os capitais estrangeiros afluem, os habitantes sem poder de compra têm de procurar outros destinos.

O documentário pode ainda ser visto no Youtube e já obteve mais de 350 mil visualizações. Em finais de dezembro do ano passado já tinha suscitado mais de 600 comentários críticos, na sua maioria de franceses. Muitos deles apontavam o exemplo da Córsega, que está a braços com a superlotação turística e estuda medidas e quotas para limitar a afluência de visitantes estrangeiros.

No litoral alentejano a situação é mais grave. Para além da destruição dos ecossistemas, a continuar esta fúria construtora as áreas prístinas vendidas a preço de ouro vão ficar iguais a Miami ou Ibiza.

 

Este autarca anda armado em Moedas!

Um é do PSD, outro do PCP. Mas parecem gémeos separados à nascença, pelo menos no respeito pela informação e transparência. Um chama-se Carlos, outro António. O primeiro situa-se à direita do espectro político e só é conhecido por dois nomes: é simplesmente Carlos Moedas. O outro diz defender o proletariado, mas assina com três nomes: António Figueira Mendes. Um dirige a autarquia da capital do país, o outro está à frente da cidade que deu o nome à senha revolucionária, ‘Grândola, vila morena’. Em comum têm o não passar cartão quando o assunto os incomoda.

Presidente da Camara de Grandola Antonio Figueira Mendes
Foto: Joao Girao

Carlos Moedas diz não falar com o Tal&Qual. É seletivo. O segundo democratiza a opacidade, não fala ao T&Q nem passa cavaco a ninguém. Há mais de três meses que andamos a pedir à Câmara de Grândola, ao abrigo da Lei 26/2016 que aprovou o regime de acesso à informação administrativa (lei que transpõe as Diretivas 2003/4/CE e 2003/98/CE do Parlamento e do Conselho Europeu, bem como do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa), vários documentos sobre o empreendimento que o grupo mexicano quer desenvolver em Melides. Só que o presidente Figueira Mendes faz orelhas moucas e de há três meses para cá nem sequer se dá ao trabalho de responder. Ao fim de mais de noventa dias, quando a lei prevê dez dias, respondeu: “informa-se que o pedido de cópias de documentos relativo ao Proc. 17-A/04 – Costaterra – Sociedade Imobiliária de Grândola tem um custo de 75,90€.”

Valha que não somos os únicos e parece que até tivemos um desconto. Maria Santos, da associação ‘Dunas Livres’, solicitou à autarquia dirigida por Figueira Mendes um conjunto de documentos relacionados com projetos turísticos no concelho. Figueira Mendes não respondeu. A associação insistiu. Andou nisso meses a fio, sem qualquer resposta. “Fizemos queixa no Tribunal Administrativo de Beja”, contou ao T&Q Maria Santos. Nesse caso, a Câmara de Figueira Mendes já se deu ao trabalho de contestar. Sem sorte. O tribunal deu razão à associação. Vai daí, a autarquia da ‘Terra da Fraternidade’ exigiu à ‘Dunas Livres’ o pagamento de 1.180 euros e 52 cêntimos. “Alegam que não têm os documentos digitalizados, o que é estranho porque também nos enviaram CDs”, garante Maria Santos.

E como se trata de Grândola, a associação vai organizar no dia 25 de Abril uma manifestação na ‘Vila Morena’ “contra a corrupção, pela proteção ambiental e pelo respeito das normas dos licenciamentos imobiliários” – anuncia Maria Santos.

Desde a sua fundação, em abril de 2020, que a associação pede para ser recebida pelo presidente. O comunista Figueira Mendes nem responde. “Só tem tempo para almoços com promotores imobiliários”, ironiza Maria Santos.