Nos corredores do Palácio das Necessidades ninguém percebe como é que um pequeno problema foi tratado com tanta displicência que se tornou um caso bicudo. Funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) confidenciam-nos até que a situação é inédita em termos históricos — e o protagonista só poderia ser João Gomes Cravinho, o ministro que mais trapalhadas tem coleccionado nos últimos meses.
Neste momento, está suspensa a colocação de funcionários diplomáticos em embaixadas portuguesas pelo mundo fora. Tudo começou em Maio, quando a diplomata Madalena Sassetti, chefe de missão adjunta na embaixada portuguesa em Montevideu, Uruguai, ficou desagradada com o resultado da sua colocação (movimento diplomático). Considerou-se ultrapassada por diplomatas “menos experientes e qualificados” e dirigiu um recurso hierárquico a João Gomes Cravinho, que nunca lhe respondeu. Se o ministro se tivesse dado ao trabalho, poderia ter resolvido a situação. Como preferiu assobiar para o lado, todas as colocações estão agora congeladas — já que entretanto Madalena Sassetti avançou com uma acção judicial.
Em Maio, a diplomata concorreu a cinco postos. Poderia ir para Copenhaga, para a Missão Permanente de Portugal junto da União Europeia em Bruxelas; para a Missão Permanente junto das Nações Unidas em Genebra, para Brasília ou para Harare (Zimbabué). Só nas primeiras três opções, o MNE tinha, segundo as nossas fontes, 10 possibilidades de colocar Madalena Sassetti, isto é, dez vagas. Mas escolheu deixá-la a ver navios.
Assim sendo, a diplomata foi forçada a regressar aos serviços internos em Lisboa. A coisa estava tão bem organizada que a vaga de Harare tinha sido extinta mas aparecia como opção — sendo que só numa reunião do Conselho Diplomático (o órgão do MNE que gere o pessoal diplomático), quando a proposta provisória de colocações estava prestes a ser aprovada, é que deram conta do lugar extinto.
Para compensar Madalena Sassetti, um membro do Conselho Diplomático, que questionou especificamente os outros membros na ocasião, disse-lhe que poderia concorrer no movimento extraordinário que se seguiria. Mas ela ficou novamente à sua sorte. O MNE veio depois alegar que a diplomata já tinha regressado aos serviços internos e não poderia concorrer, o que excluía definitivamente a sua candidatura ao movimento extraordinário — em que era a única a eleger Roma.
Numa manobra com requintes kafkianos, o despacho do ministro Cravinho que colocava Madalena Sassetti nos serviços internos só chegou ao conhecimento desta quando da sua publicação em Diário da República, a 9 de junho, o que dava o facto como consumado. Ora, tendo sido elaborada muito antes, a 18 de maio, a lista de funcionários em condições de concorrer, dizem as nossas fontes que não faria qualquer sentido que a candidatura da funcionária não fosse admitida.
A trapalhada do MNE continua, o impasse persiste, Cravinho não intervém e a reunião do Conselho Diplomático, que deveria ter acontecido em meados de julho para aprovar a proposta definitiva de colocações no movimento extraordinário, teve lugar apenas na passada quarta-feira. Previsivelmente mantiveram a exclusão da candidatura de Madalena Sassetti.
O MNE podia ainda ter solucionado a questão colocando a diplomata no movimento extraordinário em Roma, posto ao qual ela se candidatou e para o qual não havia mais candidatos. Mas preferiu deixar a vaga vazia. Segundo ouvimos a fontes diplomáticas, Maria João Coutinho, a chefe do gabinete do secretário-geral do MNE, Francisco Ribeiro Telles, pretende ser colocada em Roma no próximo ano e a sua pretensão não terá ajudado a desbloquear a situação. Até lá, a estratégia será a de manter o posto vago ou disponível, para deixar caminho livre à poderosa ajudante de Ribeiro Telles. Para a funcionária colocada até agora no Uruguai não há abébias.
Ora, a ação judicial que Madalena Sassetti entretanto apresentou, e que ainda não pudemos conhecer na íntegra, faz com que a rotação anual dos funcionários esteja neste momento parada, com custos calculados de 1,5 milhões. Caso o Estado perca a acção, o contribuinte poderá ainda pagar um preço muito elevado pela alegada discricionariedade a que o Conselho Diplomático se permitiu neste caso. De facto, Cravinho não acerta uma…