Se a tão falada viagem com destino ao Palácio de Belém efetivamente já começou, ainda que a três anos de distância, a primeira escala internacional de Henrique Gouveia e Melo chamou-se Maputo. Não consta que tenha dançado a marrabenta e não há registo de nenhuma ‘selfie’ nem de banhos de multidão. Mas, como quem não quer a coisa, o ‘almirante das vacinas’ começou a lançar os cabos da nau com que pretende acostar à Praça do Império daqui a quatro anos.
Numa discreta visita nos últimos dias de novembro, o chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) aproveitou um ciclo de conferencias patrocinado pela Visabeira para voltar à terra onde nasceu, em 1960, onde viveu a infância e juventude e onde seu pai, Manuel Henriques Gomes de Frias de Melo e Gouveia, foi alto funcionário da administração colonial portuguesa, chegando mesmo a ocupar interinamente o cargo de governador-geral.
Patrocínio empresarial
Durante três dias, o almirante cumpriu uma agenda assoberbada. Mais do que um ou outro encontro com as chefias militares moçambicanas, destacou-se a sua participação em duas conferências. Uma sobre responsabilidade social, outra que teve como tema a economia do mar — eventos esses patrocinados pelo grupo empresarial português Visabeira e pelo banco Millennium BCP, entre outros.
O facto de ser o mais alto responsável da Armada portuguesa não conferiu, porém, a Gouveia e Melo um tratamento protocolar significativo, bem antes pelo contrário. Nos materiais de divulgação daqueles eventos, o nome do almirante surgia em sétimo lugar, o que causou alguma estranheza nos círculos diplomáticos. “Não se compreende como na lista oficial das conferências um chefe de Estado-Maior possa aparecer atrás do embaixador de Portugal, de um administrador da Visabeira, ou mesmo do presidente da assembleia-geral de uma Câmara de Comércio”, referiu ao Tal&Qual um diplomata português.
Quem curiosamente também fez parte da comitiva portuguesa nestas conferencias foi o advogado Pedro Rebelo de Sousa. Dirigente da entidade que formalmente organizou o evento, a Câmara de Comércio Luso-Moçambicana, o irmão mais novo do Presidente da República também tem profundas ligações a Moçambique, onde viveu quando o seu pai ali foi governador-geral, no fim da década de 70.
A estrela da companhia
Em Maputo, na semana passada, o almirante Gouveia e Melo foi a ‘estrela da companhia’, com direito a parangonas nos jornais moçambicanos. Ao intervir no âmbito da conferência sobre responsabilidade social — ao lado do escritor Mia Couto e de um vice-reitor da Universidade de Coimbra — ao ‘homem das vacinas’ puxou-se-lhe o pé para a política, deixando um aviso à navegação: “Fala-se muito em boa governação, há muita retórica, mas pouca ação verdadeiramente positiva” disse.
Não deixou de piscar o olho à questão ambiental, saindo-se com uma verdadeira ‘frase de ervanária’ — que não faz bem nem faz mal e que um outro almirante, de seu nome Américo de Deus Rodrigues Thomaz, sendo vivo, certamente subscreveria: “O desenvolvimento das sociedades e dos seres humanos não deve comprometer o meio ambiente. Nós somos meros passageiros nesta nave espacial a que chamamos Terra e não podemos estragá-la”.
Interrogado sobre o carácter da visita de Gouveia e Melo a terras moçambicanas, o porta-voz da Marinha garantiu ao T&Q que a mesma se realizou no quadro de um convite que a Marinha de Guerra de Moçambique terá feito à Marinha portuguesa. “Foi uma visita institucional”, afirmou o comandante Joaquim Sousa Luís, tentando assim afastar qualquer dúvida sobre quem pagou a viagem do almirante — que estranhamente não tinha merecido, até ao fecho desta edição, uma única referencia no próprio site da Marinha.
Não sendo propriamente uma visita de Estado, convenhamos que esta aparição de Gouveia e Melo em Maputo foi, isso sim, uma visita de (chefe) de Estado-Maior…