Dele pouco se sabe, mas muito se vê. Muito vernáculo. Muitos gritos. Muitas conversas sobre consumo de drogas e muitas provocações, sobretudo a famosos. Assume que é tudo de propósito, apenas para ganhar dinheiro. “O que interessa são os cliques. O vídeo é um bocado indiferente”, afiançou certa vez num vídeo partilhado no YouTube e ao qual deu o título “Vendi cocaína ao Nuno Markl” (veja através do código QR).
Nada daquilo aconteceu, claro, apesar de o rapaz se ter mesmo dirigido ao conhecido radialista com um saco de pó branco na mão. “Faço clickbait”, admitiu, referindo-se à técnica de usar títulos chamativos que levam os utilizadores da internet a clicar, mesmo que o conteúdo não tenha correspondência. “Se a malta clicar e vir um ou dois anúncios, ganho uma grana muito boa. O que interessa é os cliques e verem anúncios”, acrescentou desbragadamente.
Durante uma semana o Tal&Qual analisou os vídeos de Pedro Lourenço — é este o nome da personagem digital e talvez o seu nome civil, além de usar também a alcunha Calibri. Desde agosto de 2020, altura em que abriu o canal no YouTube, o jovem já teve mais de 12 milhões de visualizações. Em concreto: 12.075.181. Contas feitas, tamanha audiência já lhe terá valido entre um mínimo de 36 mil euros e um máximo de 1,3 milhões. Mas já lá vamos.
Pedro Lourenço, que é hoje um dos ‘influencers’ (ou ‘youtubers’) mais populares em Portugal, terá pouco mais de vinte anos e vive em Mafra. É conhecido no café O Cantinho do Mafra, que funciona nas instalações do Clube Desportivo da terra. “Jogou futebol aqui no clube, há uns dez anos, quando era miúdo. E vem cá de vez em quando”, conta-nos um frequentador do café. “O pai é mais reservado. Ele sai à mãe, que também é uma pessoa muito comunicativa”. A mesma fonte garante que Pedro Lourenço tem por ali “muitos amigos, rapaziada da idade dele, até porque é um palhacito, está sempre na brincadeira”.
Entretanto, o “palhacito” conseguiu ganhar uma audiência à escala nacional. A tática é simples: escolhe determinados alvos, dirige-se a eles de câmara em riste e incomoda o mais que pode. Faz perguntas despropositadas, ofende, zomba, constrange. Depois, já se sabe: publica o resultado no YouTube, devidamente adaptado à linguagem audiovisual da internet. Os vídeos, com aspeto propositadamente amador, são apenas idiotas — mas fazem as delícias de legiões de adolescentes em todo o país e, a coberto da graçola rebelde, talvez tenham um efeito negativo sobre eles.
Cristina Ferreira, “essa vaca”
Pedro Lourenço já invadiu a passadeira vermelha dos Globos de Ouro da SIC, junto ao Coliseu dos Recreios, em Lisboa, mas de longe o seu principal alvo tem sido a TVI. “Cristina, vamos perder a virgindade outra vez”, disse ele no início do vídeo que intitulou “Segurança da TVI agrediu-me” (veja pelo código QR). A cena aconteceu no início de março. O youtuber dirigiu-se às instalações da TVI, em Queluz de Baixo, num dia em que estaria marcada uma suposta greve naquela estação televisiva. Levou um megafone e foi travado pelo segurança. “O vosso pesadelo chegou e tem um nome: é o Rei”. O segurança continuava a tentar travá-lo. “Está a chamar quem? As autoridades? Eu quero é a Cristina Ferreira, essa vaca, aqui e agora”.
A polícia acabou por chegar, identificar o sujeito e mandá-lo embora. Pedro Lourenço, a custo, acatou as ordens das autoridades, mas sempre de megafone em riste, continuando a proferir impropérios e reclamando que estava a sangrar da boca depois de, efetivamente, ter levado um safanão do segurança. O vídeo dos acontecimentos, logo editado e publicado no YouTube, tinha até há poucos dias cerca de 216 mil visualizações.
Além da linguagem obscena e das situações aparatosas sem outro propósito que não seja o de dar nas vistas, para assim produzir conteúdos, o Calibri usa técnicas em tudo semelhantes às do famoso Bondage. Esta personagem conhecida da televisão há coisa de 20 anos fazia o mesmo tipo de abordagens a famosos, sobretudo em festas. Os óculos escuros, tal como os de Pedro Lourenço, e os olhares de lado, enquanto deixava os interlocutores a falarem para o microfone perante perguntas supostamente jocosas, celebrizaram Bondage. Ele fazia parte da diversão do irreverente programa da SIC ‘Noites Marcianas’ no início dos anos 2000, de onde saíram atuais estrelas televisivas, como é o caso de Cláudio Ramos.
650 a 23 mil euros num só vídeo
Mas, afinal, como é que se ganha dinheiro a partilhar vídeos do YouTube? Por cada visualização de um vídeo, o YouTube (empresa subsidiária da gigante Google) paga 17 cêntimos aos anunciantes. 68% deste valor é depois pago aos youtubers, ou seja, aos autores dos conteúdos publicados nesta plataforma online — como é o caso de Pedro Lourenço. Isto através da Google AdSense, serviço de publicidade da Google, que administra os anúncios (aqueles reclames incómodos que todos temos de ver antes de chegarmos finalmente ao vídeo que pretendemos). Resumindo, Pedro Lourença recebe 11 cêntimos por visualização.
Ainda assim, esta matemática pode ser dificultada se quem estiver a ver o vídeo tiver um bloqueador de anúncios instalado no seu dispositivo. Nesse caso, o valor pago ao youtuber é mais baixo, dado que a publicidade é, em parte, ignorada pelos utilizadores. O preço desce para entre 0,003 e 0,005 cêntimos por visualização, ou seja, entre 3 a 5 euros a cada mil.
Agora, vamos a contas, por baixo, só do vídeo que Pedro Lourenço partilhou após armar escândalo à porta da TVI: 216 mil visualizações multiplicadas por 0,003 cêntimos totalizam 648 euros. Contas por cima (ou seja, 11 cêntimos por visualização) perfazem 23.760 euros. Mas atenção: os youtubers estão sujeitos ao pagamento de impostos, como quaisquer outros trabalhadores com rendimentos.
Para receberem o dinheiro devem inscrever-se junto da Autoridade Tributária e abrir atividade como “Outros – Prestadores de Serviços”. Acontece que os youtubers portugueses estão isentos de pagar IVA, dado que a Google AdSense não tem número fiscal em Portugal, mas sim na Irlanda. Tratando-se de uma transação intracomunitária, como explicou ao T&Q, o contabilista Levi Leite, “não paga IVA”. Ainda assim, o youtuber está “obrigado ao pagamento de Segurança Social”, avisa outra contabilista, Liliana Lopes.
“Ele vive mesmo daquilo”
Grande amigo de Pedro Lourenço é Diogo Cunha, antigo concorrente do ‘reality show’ Big Brother 2022, da TVI. Foi através de Cunha, que tinha um convite duplo para o evento, que o youtuber conseguiu entrar pela festa de aniversário da TVI dentro, em fevereiro, na Aula Magna, em Lisboa. Pedro Lourenço revela no respetivo vídeo, a que deu o título “Invadi a Gala da TVI”, e que já teve perto de 351 mil visualizações, que Diogo é o “cameraman”, o operador de câmara. Diogo Cunha, com quem falámos, avança: “Ele vive mesmo do YouTube, trabalha intensamente para aquilo”. Só que esta foi mesmo a única informação que lhe conseguimos arrancar, a muito custo.
Nos últimos dias o T&Q tentou chegar à fala com Pedro Lourenço por diversas ocasiões, sem sucesso. O youtuber nunca respondeu às nossas mensagens via Instagram. Ao telefone com Diogo Cunha, tentámos, mais uma vez, obter um contacto com Pedro Lourenço. O antigo concorrente do Big Brother dizia falar com o youtuber ao mesmo tempo que se mantinha ao telefone com o T&Q. Do lado de lá, confessou que o amigo perguntava se a repórter era “uma gaja porreira” e dizia que já tinha visto as tentativas de contacto pelo Instagram. Desligou o telefone com a promessa de que nos daria o contacto do Calibri, caso este autorizasse. Daí a minutos recebemos uma mensagem: “Pedro Lourenço está em ‘blackout’, não quer ser entrevistado”. Insistimos. O silêncio adensou-se: “É isso. Não tenho mais nada para dizer. Adeus”, rematou Cunha.
Investigámos mais um pouco e chegámos a uma nota supostamente autobiográfica, publicada, lá está, na internet, mais concretamente na Wikipedia. “Youtuber, influencer e CEO da Calibri, tenho uma grande relevância na categoria de criador de conteúdos digitais em Portugal, especialmente na categoria de comédia”, assim se apresenta.
Só que há quem não lhe ache mesmo graça nenhuma. Foi o caso do acompanhante da atriz Carla Salgueiro, na festa de aniversário da TVI, que deu um valente safanão a Pedro Lourenço, após este ter interpelado a mulher. “Parto-te os dentes todos”, ameaçou ainda o homem, para gáudio de Pedro Lourenço, que provoca aqueles com quem se cruza com o único objetivo de conseguir gravar cenas escabrosas.
A intenção é simples: criar factos polémicos que suscitem curiosidade e levem cada vez mais pessoas a visualizar os seus vídeos. A idiotice como forma de negócio. Quantas mais visualizações, maior a quantidade de dinheiro que lhe cai nos bolsos, como o próprio explicou uma vez.
Na mesma nota de cariz autobiográfico, Pedro Lourenço revela que fez o seu primeiro vídeo em 2020, em plena pandemia, e que obteve 10 mil visualizações. Nunca mais parou. Aliás, ele parece imparável. Sobretudo a picar os miolos daqueles com quem se cruza. Conta ainda a Wikipedia que “Calibri” é “uma marca criada no dia 03/04/2021”, cujo símbolo é “uma raposa que, por sua vez, representa a astúcia do nosso CEO”, escreve, referindo-se a si próprio e à existência de uma suposta empresa, que não existe. Vai mais longe no topete: “O dia da fundação da Calibri será possivelmente tornado num feriado quando Pedro se tornar Presidente da República”.
Não sabemos quantos votos obteria, mas o certo é que visualizámos vários vídeos, feitos pelo jovem, com o amigo Diogo Cunha a filmá-lo, onde são bem patentes pequenas multidões de jovens em histeria perante cada impropério que Pedro Lourenço profere. Quantos mais palavrões, e mais grossos, melhor. Gritos, braços no ar e o youtuber a agitar as hostes que o seguem nas redes sociais e também quando aparece em algum lado para armar confusão.
Pedagoga lança alerta
Tantos jovens, ainda por cima, muitos deles menores, entusiasmados com Pedro Lourenço põem os cabelos em pé a Maria Emília Brederode Santos, escritora e pedagoga, que foi, por exemplo, diretora pedagógica da série infantojuvenil ‘Rua Sésamo’, além de presidente do Conselho Nacional de Educação, eleita pela Assembleia da República.
“As escolas deveriam ter um papel junto dos jovens, no sentido de estes poderem construir um espírito mais crítico em relação aos conteúdos que lhes são apresentados, nomeadamente na Internet”, observa. A académica arrepia-se com o vernáculo utilizado pelo youtuber e com as provocações a terceiros. “Acho inconcebível fazer pouco das pessoas”. Ao mesmo tempo, Maria Emília Brederode Santos acredita que cabe ao Estado um papel mais interventivo no que respeita aos conteúdos veiculados pela internet, seja no YouTube ou noutras plataformas do género e nas redes sociais. “Deveria haver uma regulamentação, obviamente sem ser posta em causa a liberdade de expressão. Afinal de contas, quem é esta pessoa? Que responsabilidades tem?”, questiona a pedagoga.
Seria, então, de vedar o acesso, a menores de idade, a estes conteúdos? Isso também não parece saída, no entender de Maria Emília Brederode Santos. “Quanto mais proibido, mais apetecido. Os pais têm pouco tempo para acompanhar os filhos. Tenhamos esperança de que os miúdos ganhem, de facto, maior espírito crítico”.