Os ‘anti-Ronaldos de Portugal’ acham que Ronaldo, aos 38 anos, está velho e acabado para o futebol. Não é preciso ser sábio para se concluir que um jogador de futebol, aos 38 anos, já não tem as mesmas faculdades de um jogador de 28, mas também não é preciso ser sábio para se concluir que um jogador, aos 38 anos, pode ter rendimento desportivo.
Não estamos a falar de um jogador qualquer com 38 anos. Estamos a falar de um dos melhores jogadores da história do futebol mundial. Um dos melhores jogadores da história do futebol do Mundo não transporta consigo apenas dribles, remates, mudanças de velocidade e elevações no espaço aéreo mais as respectivas assistências e finalizações; transporta também experiências que lhe permitem perceber as dinâmicas e as lideranças dentro e fora do campo.
Quando Cristiano decidiu regressar a Manchester, pensava que tinha à sua espera o património que deixara e Alex Ferguson. Não tinha nem um nem outro; à sua espera, apenas o lado dos homens que não quer saber da memória, da história e do reconhecimento.
A idade não é o tema. É apenas um pretexto. Porque vemos jogadores de 20, 25 anos a não fazer nem metade daquilo que Cristiano, hoje, faz — e há sempre alguma condescendência para os desempenhos menos conseguidos.
O tema não é a (maior) fragilidade de Cristiano Ronaldo; o tema é a fragilidade de todos os que, durante duas décadas, rodearam Cristiano Ronaldo e tiveram de conviver com a sua força, alimentando-se até dessa força, quando ele — a partir da afirmação futebolística plena — se converteu num poder.
Foi sempre muito mais fácil lidar com a arte futebolística de Cristiano Ronaldo do que com o seu poder. Os dribles, a velocidade explosiva, o poder de elevação nunca foram tema e só se transformaram em debate quando, em menor escala, começaram a ser substituídos por um poder que começou a tornar-se indiscutível durante o ministério de Fernando Gomes, uma vez que, antes, foi o tempo de o afirmar, após as saídas de Luís Figo, Pauleta e ainda de Simão Sabrosa.
O poder de Cristiano Ronaldo, com Madail e Fernando Gomes, pode ter sido mais ou menos contestado, mas durou (e-durou-e-durou-e-durou) enquanto Jorge Mendes se manteve do seu lado — e ao lado de uma lógica de intermediação que naturalmente se reflectiu na Seleção Nacional.
O que não deixa de ser curioso é que o poder de Cristiano Ronaldo ainda fez as suas vítimas quando era exactamente esse poder que estava a ser contestado. Desde logo, Fernando Santos.
Pelas relações pessoais existentes entre o presidente da FPF e o ex-seleccionador, poucos admitiam que Fernando Gomes fosse capaz de desbancar Fernando Santos, mas a especificidade e a generosidade do contrato deram-lhe a força necessária para voltar a impor Cristiano Ronaldo, no rescaldo de um Mundial em que haviam ficado claros os desencontros entre o ex-seleccionador e o capitão da equipa das quinas.
Entre o mui desgastado Fernando Santos, a contas com as engenhosas particularidades de um contrato-bomba pronto a explodir a qualquer momento, com a ironia de ter sido patrocinado pelos serviços jurídicos da própria FPF, e tudo aquilo que, no plano desportivo e comercial, Cristiano Ronaldo ainda poderia dar à Selecção, Fernando Gomes não hesitou e optou por dar ‘mais uma vida’ ao capitão.
Entre o impacto da saída de Fernando Santos e o impacto do veto a Cristiano Ronaldo, uma vez que a coexistência ficou comprometida no Qatar, Fernando Gomes optou pela solução mais fácil, confortado com a ideia de que deixara cair Fernando Santos, mas lhe proporcionara um encaixe financeiro anteriormente nunca visto.
O peso do dinheiro talvez tenha amortecido a narrativa da traição. Que acabou por rimar com gratidão. Foi assim que se chegou ao perfil de Roberto Martínez: elegante, bem-educado (capaz de colar as peças partidas da baixela) e… ‘ronaldista’.
O espanhol das boas maneiras veio para garantir um final de mandato menos atribulado a Fernando Gomes, ele que está completamente mobilizado para a atribuição da organização conjunta do Mundial 2030, em Setembro de 2024. E veio para garantir, se possível, uma ‘saída limpa’ a Cristiano Ronaldo, quando este entender que chegou o momento de se tornar exclusivamente num ‘homem de negócios’, com alguma ligação ao futebol.
Os anti-Ronaldos de Portugal, os mesmos que na comunicação se alimentaram da seiva de Jorge Mendes, hábil na construção de um poder paralelo junto dos média, interessado na manutenção da aura de CR7 enquanto beneficiou directamente com isso, só agora começaram a perceber que talvez não valha a pena meter o bedelho nas feridas causadas pela separação entre Mendes e Ronaldo.
São poderes distintos. E ambos também já compreenderam que o mais inteligente é levarem a sério o pacto de não-agressão.
Deixem a D. Dolores em paz. Deixem a Georgina em paz e, já agora, respeitem tudo aquilo que Cristiano Ronaldo fez e continua a fazer por Portugal. Até ao fim porque o fim chegará. É tudo uma questão de poder.