Mein lieber Otmar,
Espero que esta vá encontrá-lo de boa saúde na cimenteira do Outão, essa cratera obscena aberta a ribombos de pólvora na sagrada Serra da Arrábida. Folgo em saber que as janelas do seu gabinete são herméticas e o ar condicionado funciona bem, poupando-o assim ao constante temporal de pó de pedra que há décadas cobre o melhor do Parque Natural.
Escrevo-lhe porque ouvi dizer que a Secil, de que o Otmar é o presidente-executivo, acaba de pedir ao Governo a ampliação da área de exploração.
¿Será verdade? Não quero acreditar: agora que eu pensava que o Otmar, que aos 60 anos já tem idade para distinguir aquilo que está bem daquilo que está mal, se preparava para o único acto nobre que de si se esperaria – que era pôr fim ao crime que a Secil vem cometendo a céu aberto na Serra-Mãe – ¿agora ainda quer destruir mais hectares verdes, rebentar mais pedreiras, destruir mais grutas de estalactites, esterilizar mais flora, furar mais calcário para pulverizar num instante, nas suas mandíbulas de ferro, aquilo que a Natureza levou milénios a criar?
Otmar, mein teuerster, pense bem. A sua empresa, que há um século vem esventrando e destruindo a Arrábida, tem já sucursais na Espanha, nos Países Baixos, na Tunísia, no Líbano, em Angola, em Cabo Verde e no Brasil; e para produzir os seus betões, cimentos, argamassas e agregados já explora pedreiras em inúmeros rincões deste nosso Portugal. ¿Será que Você, Otmar, tem mesmo de continuar a cometer esta violação ambiental na Arrábida? Não lhe basta abrir chagas em terras inóspitas, onde nada existia antes e nada existirá depois? Tem mesmo de continuar esta ignomínia, este atentado, esta agressão vexante a um dos mais belos relevos do país, a um dos mais ricos catálogos de flora e fauna da Europa?
Mein lieber Otmar, Você tem filhos e netos. ¿Quer mesmo ver o nome dos Hübscher amaldiçoado como sinónimo de indignidade e torpeza, quer mesmo ficar na letra miúda da História como carrasco da Arrábida? Quando, nos fins de manhã de oiro da Península de Setúbal, Você vai almoçar à Troia e de lá ergue os olhos para a Serra esventrada, profanada, ¿não cora de vergonha pelo que vê, por aquilo que a sua empresa continua a fazer? Será que Você ignora o que se pensa e o que se diz em Portugal sobre este delito contra-natura que a lei dos homens abomina e a lei de Deus condena?
Bem sei que a sua Secil embrulha o crime num bonito papel de fantasia: o “betão neutro em carbono”, os “planos de acção para a biodiversidade”, a “regeneração ambiental” e outros palavrões para enganar tolos. Mas sob essa capa de bondade está, Você sabe que está, mein lieber Otmar, o desprezo mais absoluto pelo corpo e pela alma da terra. Imagino o que Você e os seus conterrâneos pensariam (e fariam!) se uma empresa impiedosa começasse a esventrar os verdes e belos prados da sua Hochdorf natal, nesse cantão lucernense da Suíça idílica, sugando as águas límpidas do Lago Baldegg e cobrindo com um pesadelo de pó de cimento, explosões infernais e rastos de camiões as florestas de Lieli, as vinhas de Heidegg, o mosteiro de Rathausen, as casinhas típicas de Rothenburg… Imagino!
Caro Otmar, meta a mão na consciência. Desista de ampliar o crime que a sua Secil vem cometendo na Arrábida. Tenha coragem e ponha fim ao cancro cimenteiro na Serra-Mãe. Então, sim, ficará na História com letra grande.