O banqueiro António Simões, do Santander, mantém-se no primeiro lugar do ‘ranking’ Poder LGBT, que o Tal&Qual divulga pelo segundo ano consecutivo. O apresentador Manuel Luís Goucha sobe para segundo lugar — foi terceiro em 2021 — e ainda no pódio temos o agora vice-presidente do PSD Paulo Rangel. Eles são os três homossexuais assumidos mais influentes do país, de acordo com a análise do nosso jornal.
Logo abaixo na tabela surge o secretário de Estado André Moz Caldas, o deputado Alexandre Quintanilha, o actor e encenador Pedro Penim e o advogado e ex-governante Adolfo Mesquita Nunes. O nosso ‘ranking’ inclui 25 pessoas lésbicas, gays, bissexuais ou transgénero, que em algum momento falaram em público de forma explícita sobre a sua orientação sexual ou identidade de género.
Ao todo são quatro mulheres e 19 homens. Há ainda um homem transexual (Lourenço Ódin Cunha), uma mulher transgénero (Lila Fadista, da dupla Fado Bicha) e uma pessoa que se considera não-binária (Filipe Sambado). Incluímos também um brasileiro radicado em Portugal: Aguinaldo Silva, autor de consagradas telenovelas da Globo.
O poder que estas personalidades têm nas respectivas áreas profissionais — incluindo o poder simbólico de falarem abertamente das suas identidades — foi um dos critérios de escolha. O facto de exercerem cargos de relevo, de merecerem reconhecimento público e de terem alcançado algum grau de consagração também foi valorizado na nossa análise.
Em 2021, a então ministra da Cultura Graça Fonseca teve direito ao segundo lugar neste ‘ranking’, mas agora desce até à 15.ª posição — por ter deixado o Governo e ser menos influente junto do primeiro-ministro, António Costa. A ex-deputada Fabíola Cardoso saiu da lista, por já não ter assento na Assembleia da República, o que não desvaloriza o seu papel histórico como activista LGBT.
Quem também deixou de figurar foi o apresentador Rui Maria Pêgo, que esteve a estudar teatro em Londres durante um ano, não se sabendo quando regressa aos ecrãs. Diogo Infante e Ana Zanatti saíram por já terem tido reconhecimento como consagrados na primeira edição do Poder LGBT. Entre as novidades deste ano contam-se o actor transformista Fernando Santos (Deborah Kristal), o realizador João Pedro Rodrigues e o candidato a bastonário da Ordem dos Médicos Bruno Maia.
O ‘ranking’ Poder LGBT não glorifica nem desmerece, antes procura avaliar anualmente algumas transformações na sociedade portuguesa, através da hierarquização de nomes conhecidos. Parte-se do princípio de que a existência de personalidades ‘fora do armário’ será causa e efeito de uma vida pública mais democrática — o que pode contribuir para que outros LGBT, e os portugueses em geral, olhem sem medos para estas questões.
Ainda assim, há pontos de vista divergentes. Adolfo Mesquita Nunes mostrou-se tranquilo quanto à sua inclusão no ‘ranking’, mas deixou-nos uma ressalva: “Listagens de influentes, neste caso com base na orientação sexual, podem reforçar estereótipos clássicos sobre o suposto poder de certos grupos, contribuindo para a ideia errada de que afinal não há discriminação com base na orientação sexual”.
Eis a lista.
1 – António Simões, banqueiro
É pouco dado a aparições mediáticas, mas tem especial influência como líder do banco Santander na Europa e director executivo da instituição em Espanha. Diz-se até que está na calha para suceder nos próximos meses ao director mundial do banco. Nascido em Lisboa a 12 de Março de 1975, estudou na Universidade Nova e na Universidade da Columbia (EUA). Antes de chegar ao Santander em 2020 esteve durante 13 anos no HSBC em Londres e Hong Kong. O marido é espanhol e também tra- balha na área financeira. Conheceram-se em 2002 numa festa de aniversário e casaram-se em 2007. Têm dois filhos. Nos próximos dias, vai participar nas Conferências do Estoril 2022.
2 – Manuel Luís Goucha, apresentador
Além de Herman José, haverá figura da televisão portuguesa com maior popularidade e repercussão? Culto, expressivo, rigoroso, tem-se destacado pelas entrevistas emotivas nas tardes da TVI. O programa chama-se simplesmente ‘Goucha’. Aos 67 anos já tem dado a entender que pretende retirar-se, mas o director-geral da estação, José Eduardo Moniz, sabe que ele é um trunfo e quer segurá-lo até meados de 2024. Já foi actor de revista e cozinheiro, rosto popular na RTP e estrela das manhãs do quarto canal. Assumiu-se homossexual numa entrevista à revista Lux em 2008 e uma década depois casou-se com o compa- nheiro, Rui Oliveira.
3 – Paulo Rangel, eurodeputado
“Nunca escondi, não é segredo”, afirmou em Setembro do ano passado em entrevista ao ‘Alta Definição’ da SIC, esvaziando o boato que há muito corria sobre a sua homossexualidade e que ameaçava perturbar-lhe a candidatura às eleições internas para a liderança do PSD, que se disputariam em meados de Janeiro deste ano. Perdeu para Luís Montenegro, mas foi chamado para primeiro vice-presidente do partido e aceitou — é o número dois do PSD. Nascido a 18 de Fevereiro de 1968 em Vila Nova de Gaia, é advogado e milita no partido desde 2005. Mantém-se como eurodeputado e tem sido dos mais activos porta-vozes da oposição ao Governo. Sempre que fala é escutado.
4 – André Moz Caldas, secretário de Estado
“Sou o primeiro membro do Governo casado com uma pessoa do mesmo sexo”, declarou em Dezembro de 2020 o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros — cargo que mantém no actual executivo, na de- pendência de Mariana Vieira da Silva. Pouco mediático, mas de percurso sempre ascendente, foi chefe de gabinete do ministro das Finanças Mário Centeno e presidiu ao Teatro Nacional de São Carlos e à Companhia Nacional de Bailado. Tem 40 anos, é licenciado em Direito e em Medicina Dentária e continua a ser visto como político ambicioso.
5 – Alexandre Quintanilha, deputado
Foi a primeira pessoa casada com outra do mesmo sexo a exercer um cargo político em Portugal. O marido é o escritor Richard Zimler, com quem vive há mais de 40 anos. Nasceu em 1945 em Moçambique, doutorou-se em Física e trabalhou nos EUA até regressar a Portugal, em 1991. Reformou-se como professor catedrático da Universidade do Porto. Deputado pelo PS desde 2015, preside à comissão parlamentar de Educação e Ciência. “Não tenho orgulho particular nem vergonha particular” em ser casado com um homem, afirmou há sete anos. Nas legislativas de 30 de Janeiro foi cabeça-de-lista pelo Porto.
6 – Pedro Penim, actor e encenador
Desde há um ano é director artístico do Teatro Nacional D. Maria II — a convite da então ministra da Cultura, Graça Fonseca — e na tomada de posse declarou-se “orgulhosamente LGBT”. Ficou conhecido como apresentador do Clube Disney na RTP, no fim dos anos 90, e esteve na fundação do Teatro Praga, grupo de Lisboa com produções de vanguarda. É durante o mandato de três anos de Penim que decorre a remodelação do interior do teatro, que estará encerrado em 2023. Será ele a reabrir o Nacional. Tem 47 anos e é casado com o jornalista da BBC Mark Lowen.
7 – Adolfo Mesquita Nunes, ex-secretário de Estado
Ex-secretário de Estado do Turismo no Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, ex-deputado e eurodeputado, entregou o cartão de militante do CDS-PP em Outubro e tem vindo a afastar-se da cena pública, incluindo das redes socais — mas não terá deixado cair as ambições políticas. Advogado, de 44 anos, é vogal da administração da Galp. Foi o primeiro dirigente da direita portuguesa a assumir que é homossexual, numa entrevista ao Expresso em 2018.
8 – Gabriela Sobral, directora de produção
Começou como directora de produção da TVI no fim dos anos 90 e ali chegou a directora-adjunta de programas. Também já mandou na SIC. Em Janeiro do ano passado regressou a Queluz de Baixo — como diretora de conteúdos e produção da Plural, a produtora de novelas chefiada por Piet-Hein Bakker. Figura respeitada, costuma dizer que ajuda a criar “a melhor ficção deste país”. Tem 57 anos. Casou-se com a actriz Inês Herédia em 2018. Juntas têm dois gémeos, Luís e Tomás.
9 – Aguinaldo Silva, escritor e guionista
Foi autor e co-autor de algumas das mais célebres telenovelas brasileiras, que o público português também acompanhou: ‘Roque Santeiro’, ‘Tieta’ e ‘A Indomada’. Ganhou em 2014 um Prémio Emmy Internacional pela novela ‘Império’. Conservador, irónico, polemista, foi repórter e esteve ligado à mais importante publicação homossexual brasileira, o jornal ‘Lampião da Esquina’, que se editou no Rio Janeiro entre 1978 e 1981. Vive em Portugal e chegou a ter um restaurante em Lisboa. Nasceu em Pernambuco a 7 de Julho de 1943.
10 – Blaya, cantora e dançarina
Regressou este ano às edições com os temas “Colchão” e “Deixa Pra Lá”. Nasceu em Fortaleza (Brasil) e cresceu em Ferreira do Alentejo. Iniciou a carreira há duas décadas, tornando-se conhecida no projecto Buraka Som Sistema. Assumiu ser bissexual em entrevista à extinta revista Quir, em 2012, reafirmando-o em 2020 numa emissão de Instagram do ‘influencer’ Tiago Paiva. Tem 35 anos.
11 – Frederico Lourenço, escritor e linguista
Ficou célebre a interpretação inédita que há quase duas décadas apresentou no romance ‘Pode Um Desejo Imenso’: de que Camões teria escrito versos homoeróticos. O livro foi reeditado este ano pela Quetzal. Escritor e tradutor, nasceu em Lisboa, em 1963, é doutorado em Literatura grega e dá aulas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Recebeu o Prémio Pessoa 2016.
12 – Mário Cláudio, escritor
“Hoje sinto-me absolutamente incapaz de casar com um homem, ainda tenho dentro de mim o repressor antigo”, disse numa entrevista há sete anos, quando falou pela primeira vez da própria homossexualidade. Nascido no Porto, em 1941, é autor consagradíssimo e acaba de publicar pela D. Quixote o romance passado em inícios do século XVII ‘Apoteose dos Mártires’.
13 – Hugo van der Ding, humorista
“Parece que o Tal&Qual me incluiu na lista dos 25 gays portugueses mais influentes, chamando-me humorista. Paneleiro sou. Humorista é a puta que os pariu”. A reacção, publicada há um ano no Twitter, mostra que Hugo van der Ding (ou Hugo Sousa Tavares) tem jogo de cintura e aborda o tema da orientação homossexual com grande naturalidade. Assina na Antena 3 a rubrica cómica ‘Vamos Todos Morrer’ e acaba de publicar o livro ‘O Lixo na Minha Cabeça’.
14 – Eduardo Pitta, escritor
Poeta, ficcionista, ensaísta e crítico literário, nasceu em Moçambique, em 1949, e cedo afirmou sem pejo a sua orientação sexual, no que foi precursor. Vive em Lisboa e é casado desde 2010 com Jorge Neves. As memórias de África e as sugestões homoeróticas são os temas que o marcam como autor. Recupera actualmente de um acidente vascular cerebral, de que deu conta através do Facebook.
15 – Graça Fonseca, ex-ministra da Cultura
Foi ministra da Cultura entre Outubro de 2018 e Março deste ano, tendo deixado marca — apesar das polémicas. Eleita deputada por Lisboa nas legislativas de 30 de Janeiro, acabou por renunciar ao mandato e neste momento está fora da política. “Decidi dedicar-me a projectos pessoais de vida privada”, afirmou ao jornal Público. Assumiu ser lésbica numa entrevista ao Diário de Notícias em Agosto de 2017, quando era secretária de Estado. Tem 51 anos.
16 – Cláudio Ramos, apresentador
Os quase 600 mil seguidores no Instagram mostram que a popularidade de Cláudio Ramos continua em alta. Actualmente mais discreto no pequeno ecrã — ao lado de Maria Botelho Moniz nas manhãs da TVI — tem um percurso a pulso e parece ser um dos apresentadores mais sólidos do quarto canal. “Achava que era heterossexual”, confessou em 2015 no Alta Definição da SIC.
17 – João Pedro Rodrigues, realizador
‘Fogo-Fátuo’, que teve efusiva estreia mundial em Cannes, será o filme de abertura do festival Queer Lisboa, a 16 de Setembro. É a mais recente longa-metragem de um dos realizadores portugueses de maior projecção internacional, com obra marcada pelo imaginário gay. Ao lado do companheiro, João Rui Guerra da Mata, estreou há dias um outro filme: o documentário ‘Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes nem Depois’. Tem 56 anos.
18 – Deborah Kristal, transformista
Com quatro décadas de palco, é o mais conhecido dos nossos travestis (ou transformistas) e dirige e protagoniza um espectáculo diário na discoteca Finalmente, no Príncipe Real, em Lisboa. Já fez teatro de revista e cinema — aliás com papel principal no filme ‘Morrer Como um Homem’, de João Pedro Rodrigues. Por detrás da personagem, que enriquece o imaginário gay português e dá colorido à noite da capital, está Fernando Santos, um culto e tímido lisboeta da Mouraria cuja idade não se pode revelar.
19 – Luís Borges, modelo
Chegou a Lisboa em 2006 e pouco depois tornou-se um dos manequins portugueses de maior projecção internacional, com desfiles nas principais semanas da moda e convites para campanhas Tom Ford e Tommy Hilfiger. É pai de dois filhos e uma filha, que adoptou em 2015 com o falecido cabeleireiro Eduardo Beauté, com quem esteve casado de 2011 a 2016. Nasceu em 1988.
20 – Filipe Sambado, músico
Afirmou-se ‘não-binário’ nas redes sociais e em Abril declarou ao jornal Expresso: “O género masculino era uma prisão muito pesada. Há alturas em que me sinto mais não-binário, outras como uma mulher, outras em que me sinto mais um homem.” Cantor e autor com raízes na música tradicional portuguesa, chegou à final do Festival RTP da Canção 2020. Tem 37 anos e uma filha com a actriz Cecília Henriques.
21 – Fado Bicha, músicos
Para um nicho, cada vez menos nicho, a dupla Lila Fadista (voz e letras) e João Caçador (instrumentos e arranjos) é uma referência. Começaram em 2017, afirmando-se contra o que dizem ser a expressão heteronormativa do fado e hoje abordam nas suas canções assuntos como o racismo e os direitos dos animais. Em Março concorreram ao Festival RTP da Canção e em Junho publicaram o primeiro álbum, ‘Ocupação’.
22 – Bruno Maia, activista
É candidato a bastonário da Ordem dos Médicos, cujas eleições decorrem em Janeiro do próximo ano. Defende “uma Ordem que rompa com o conservadorismo e o elitismo”. Neurologista e dirigente do Bloco de Esquerda, assume-se como homossexual e foi um dos organizadores da primeira Marcha do Orgulho LGBT do Porto, em 2006. Este ano candidatou-se a deputado por Lisboa. Tem 40 anos.
23 – Lourenço Ódin Cunha, instrutor de ginásio
Ao participar em 2013 no ‘reality show’ Casa dos Segredos, onde assumiu ser um homem transexual, ajudou milhões de portugueses a ouvirem falar sobre um assunto ainda nas margens. Em entrevista recente a Manuel Luís Goucha recordou as 20 cirurgias de mudança de sexo por que passou: “É doloroso, mas nunca quis dramatizar a minha história”. Tem 38 anos, é natural de Vila Nova de Famalicão e viveu no Luxemburgo. Anunciou há dias nas redes sociais que ele e a mulher, Marina Fernandes, vão ser pais.
24 – Liliana Almeida, cantora
Antiga vocalista das NonStop, entrou no Big Brother Famosos no início do ano e ali se apaixonou por Bruno de Carvalho. “Gosto de mulheres, sim, e se me apetecer gostar do Bruno, vou gostar do Bruno”, afirmou sem receios. Têm casamento marcado para esta semana, com transmissão pela TVI. Nasceu há 39 anos em Albufeira e até conhecer o antigo presidente do Sporting namorava com a cabeleireira Jaci Duarte.
25 – Pedro Pereira, militante da Iniciativa Liberal
Tem 26 anos, é natural de Viseu e vive no Porto. Integra até Dezembro de 2023 o conselho nacional da Iniciativa Liberal e no passado foi candidato pelo partido à Assembleia Municipal de Viseu. Profissionalmente é médico de medicina interna em Guimarães. Fala abertamente sobre a sua orientação sexual e ainda há poucas semanas escreveu no Twitter que estava prestes a comprar casa para ir viver com o namorado de há sete anos.
Como chegámos à lista final
O T&Q dá a conhecer os critérios de selecção do ‘ranking’ Poder LGBT 2022 — para que se perceba com transparência a lógica da lista. Refira-se que optámos pela sigla LGBT, em vez de outras derivadas que hoje circulam, por entendermos que o termo LGBT é mais reconhecível e já remete para conceitos como ‘queer’, intersexual, assexual ou outros.
As personalidades escolhidas resultam de pesquisa e debate na nossa redacção ao longo do último ano. A ordenação tem em conta critérios subjectivos que são articulados de forma objectiva, com pontuação de 1 a 10 em quatro campos: ‘popularidade’, ‘consagração’, ‘ponderação face aos outros’ e ‘poder de facto’. Nos casos em que há empates, os nomes são organizados segundo um critério editorial e não alfabético. Eis a tabela de classificações.