Ainda assim, o chefe do Estado considera que o T&Q anda excessivamente preocupado com o seu carácter — e até nos promete uma notícia em exclusivo caso um dia perca o siso.
A meio da tarde da última quarta-feira, depois de ler o nosso jornal, Marcelo Rebelo de Sousa não resiste e liga para o T&Q com o bom humor que lhe reconhecemos. “Nunca me ofendo com a comunicação social”, começa por dizer. “Até acho que um dos problemas da democracia portuguesa é não ter uma comunicação social forte”. Portanto, nada a assinalar quanto à liberdade jornalística. Sendo assim, a que devemos o telefonema, senhor Presidente?
A nossa manchete era sobre as atitudes cada vez mais insólitas do inquilino de Belém. “O povo anda de boca aberta com as figuras que o Presidente faz”, escrevemos. “Marcelo é como um diplomata sem protocolo nem tino, diz o que lhe vem à cabeça e é capaz das maiores inconveniências que ruborizam o salão”. Muito provavelmente sofre de uma perturbação narcísica, acrescentámos com base em opiniões de comentadores e especialistas em saúde mental.
Como os leitores se lembrarão, ouvimos os psiquiatras Daniel Sampaio, Júlio Machado Vaz e Pedro Oliveira, o psicólogo João Lázaro, a deputada municipal Aline de Beuvink e os comentadores políticos Helena Matos, Miguel Sousa Tavares, Sebastião Bugalho e Rui Calafate. Aliás, Sousa Tavares disse-nos mesmo acreditar que “Marcelo está num estado acelerado de qualquer coisa do foro psiquiátrico”.
Perante isto, o Presidente da República pergunta-nos: “Qual é o racional de se dizer que estou fraco politicamente e que estou maluco? Gostaria de perceber o racional e de explicar a forma como vejo isto”. (Convém comentar que ‘racional’, neste contexto, é uma tradução à letra do inglês ‘rationale’, que bem vertido equivale a ‘qual o fundamento’.)
Ora, o T&Q não afirmou nem sugeriu que o Presidente está politicamente enfraquecido. A conclusão é do chefe do Estado — que, ao telefone, insiste nesta tese. “Poderia haver um racional. Que se aproxima o fim do mandato, que o Presidente está a perder peso político e tenta compensar através do seu narcisismo ou do seu egocentrismo patológico… Talvez a idade, talvez o conflito institucional, isto e aquilo”, argumenta o Presidente. “Mas não. Não há uma sondagem que confirme que estou a perder peso político”. Por isso, Marcelo não entende a nossa manchete.
Quanto às suas cada vez mais visíveis excentricidades narcísicas, faz notar: “Sempre fui original e irreverente”. Aliás, Marcelo acha pouco relevante o recente episódio do decote, que espantou muitos portugueses — quando o Presidente, de visita oficial ao Canadá, disse a uma jovem portuguesa “ainda apanha uma gripe, já viu bem, com o decote?”. Pouco relevante, pois. “É um comentário tipicamente meu”, comenta.
Na opinião do Presidente, o T&Q tem feito várias primeiras páginas sobre ele “sempre com crítica caracterológica”, ou seja, sobre o seu carácter. “Não vejo que façam críticas caracterológicas a outros políticos, fazem críticas políticas”.
O ameno telefonema do nosso leitor assíduo dura um quarto de hora. Marcelo parece não estar no Palácio de Belém, pois refere-se à residência oficial como “lá”. Sublinha por fim: “Quem vai para a política está sujeito a todo o escrutínio, até mesmo o caracterológico, que até agora não teve efeito, porque os portugueses já me conhecem há décadas”.
E para a despedida um delicioso momento à Marcelo: “Não estou maluco, estou igual ao que sempre fui, mas prometo que quando tiver o primeiro sinal avalizado por especialistas, ou sentido por mim, telefono ao Tal&Qual e aviso que estou chalupa”.