Os jornais informam que D. Dinis já voltou ao túmulo no mosteiro de Odivelas, após três anos em que as suas ossadas foram sujeitas a investigações e estudos científicos do mais avançado que há. Após um cuidadoso trabalho de reconstrução do esqueleto real por um ‘antropólogo biológico’, como quem completa um puzzle, o homem regressou ao túmulo onde jazia esquecido há 600 anos. Os resultados de três anos de estudos é que são um pouco magros. Encontraram-se uns pelos ruivos da barba, mas daí não se pode concluir nada, lamenta uma investigadora. Nem a cor do cabelo, nem a dos olhos.
É certo que há um retrato mais ou menos contemporâneo de D. Dinis no ‘Compendio de Crónicas de Reyes del Antiguo Testamento, Gentiles, Cónsules y Emperadores Romanos, Reyes Godos y de Los Reinos de Castilla, Aragón, Navarra y Portugal’ que se encontra na Biblioteca Nacional de Espanha, escrito quando o rei já era velho (para os padrões da época), já nos seus sessentas, mas o retrato apenas mostra um ancião de barbas e cabeleira grisalhas. Não se sabe se D. Dinis posou para o autor, ou autores, do ‘Compendio de Crónicas’ quando lhe fizeram o retrato, mas avaliando pelo fácies dos restantes reis de Portugal retratados no ‘Compêndio’ é de supor que não. São todos retratados da mesma maneira, na mesma cadeira, na mesma posição, com a mesma coroa e empunhando a mesma espada. E com a mesma barba. Ou os retratos foram compostos por quem nunca viu as realezas ao vivo, a partir de relatos de fiabilidade duvidosa, ou correspondiam apenas àquilo que os desenhadores achavam que devia ser a ‘gravitas’, e a barba, de um soberano. Já nessa altura, como hoje, não se podia acreditar em tudo o que dizem os cronistas.
Os ossos completos do Rei regressam ao túmulo, mas isso não garante que volte a descansar na paz que foi interrompida pela curiosidade científica em saber se tinha olho azul, o que era provável dada a ascendência nórdica, ou barba ruiva, como o seu primo afastado Harry, o duque de Sussex. Certo é que foi provavelmente o primeiro rei português a saber ler e escrever, o que talvez explique que lhe tenham depositado no túmulo, ao lado dos ossos, a edição do dia de hoje do jornal Público. Já lhe tinham depositado a edição do dia do Diário de Notícias, quando da abertura anterior em 1938, mas não há registo que confirme se o rei-poeta o leu ou fez as palavras-cruzadas para matar o tédio.
Descanse em paz, é o que se costuma desejar aos mortos, ou é pelo menos apenas a formulação do desejo um pouco hipócrita de que o falecido permaneça nesse estado para toda a eternidade e não chateie mais. A fórmula clássica vem do latim “requiescat in pace”, abreviada frequentemente com a sigla R.I.P., ou porque já nem os padres falam latim ou para poupar na factura do canteiro. Mas desta vez é possível que tenham acertado. A notícia mais importante do dia em que o rei voltou ao túmulo, a acreditar na manchete do jornal que lhe deram para ler, é de que a idade média dos trabalhadores da função pública ultrapassa os 48 anos. Se isto não dá vontade de dormir, dá, no mínimo, de morrer.
Sexta, 30
Foi hoje lançado um interessante roteiro sobre os tascos do Porto. É a reedição de uma obra de 2015, com a particularidade de nos 50 tascos do Porto elencados muitos já não serem na cidade. São em Gaia, Matosinhos, arredores. Dos 50 indicados na primeira edição, 20 desapareceram. Raul Simões Pinto, o autor, ele próprio filho de tasqueiros, explica ao Público a razão do desaparecimento dos tascos em três palavras: ‘low cost’, ‘gourmet’, ‘hostels’.
Esta trilogia dos malefícios do turismo vale tanto para o Porto como para Lisboa ou qualquer outra cidade onde os modos de vida tradicionais foram sendo substituídos pela imparável progressão da renovação urbana. A Lisboa que acordava às portas dos cafés, como escrevia Pessoa, é hoje a cidade que acorda com o barulho insuportável das malas com rodinhas que os turistas arrastam sobre as pedras da calçada. É uma praga universal, que levou este mês as autoridades de Dubrovnik, um dos maiores centros turísticos da Croácia, a proibirem malas com rodinhas na cidade antiga, o que já tinha sido feito em Veneza.
Mas não é a proibição de malas com rodinhas nem programas públicos que custam dinheiro, como as Lojas com História, em Lisboa, ou o Porto de Tradição, no Porto, que vão salvar o que resta desse mundo antigo das tascas, das retrosarias, dos cafés. Viviam porque o centro das cidades era popular, porque coexistiam pobres e abastados, porque não havia televisão e internet e as pessoas conviviam em restaurantes baratos, cafés e tabernas. É um mundo tão antigo como o de D. Dinis. E velho, como a função pública.
Cá dentro
Cristiano Ronaldo quer ser um dos principais accionistas do Correio da Manhã. O ministro das Finanças avisou que os resultados da economia no segundo semestre do ano vão ser maus. Uma empresa de ginásios vai receber quase seis milhões de euros do Banco de Fomento num programa destinado a apoiar a resiliência. Um homem de 74 anos morreu depois de estar semanas à espera de ser operado a um pé no Hospital de Faro. O número de pessoas sem médico de família aumentou 30% nos dois últimos anos. Os controladores aéreos no aeroporto do Porto autorizaram um avião a aterrar na mesma pista em que outro se preparava para descolar.
Lá fora
Morreu uma banqueira russa ao cair do 11.º andar, o que eleva para mais de duas dezenas o número de russos importantes que caíram das janelas desde a invasão da Ucrânia. A revista National Geographic, que já chegou a ter 12 milhões de assinantes, despediu os últimos jornalistas do quadro e vai ser feita apenas com colaboradores externos. Morreram quatro crianças depois de um míssil russo ter atingido uma pizzaria na Ucrânia. Foi descoberta em Pompeia uma pintura que representa uma pizza.
No outro mundo
Uma mala microscópica da Louis Vuitton, com menos de um centímetro, foi vendida por 60.000 dólares.