No Estabelecimento Prisional da Carregueira não há registo de José Pedro Xavier Pereira entre os mais de 700 reclusos que ali se encontram neste momento. Diz-nos uma fonte que o mais certo é estar à solta desde há poucos meses, apesar de ainda em 2021 lhe ter sido recusada a liberdade condicional pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa e pelo Tribunal da Relação. Os juízes desconfiaram de que estivesse a mentir quanto às oportunidades de reinserção social que lhes apresentava, noticiou então o Correio da Manhã.
É quase certo que José Pedro Xavier Pereira esteja de regresso à sociedade — e ao crime também. Só isso explica que seja ele o cérebro por detrás do boato de violação de uma menor de 15 anos pelo deputado do Chega Pedro Pessanha. Como o Tal&Qual escreveu há uma semana, Pereira lidera uma quadrilha de falsários que andam a divulgar informações falsas na internet através da ‘influencer’ espanhola Blanca White (ou Blanca Sisó). Pretendem enganar a opinião pública e vários jornalistas portugueses, para assim atingirem a reputação do deputado. Se são pagos ou se estão a serviço de uma estratégia maior, ainda não é claro.
Blanca White começou por divulgar nos primeiros dias de Março supostos factos relativos à violação de uma menor. Tem continuado a fazer vídeos com novas alegações: uma queixa contra Pessanha ao Ministério Público por parte de Sónia Maria Silva, presumível mãe da suposta vítima, e um depoimento filmado da ‘mãe’, que apareceu de máscara cirúrgica e óculos de sol. O Ministério Público continuava em silêncio à hora de fecho desta edição, tendo deixado passar mais de 10 dias sem responder a várias perguntas que enviámos sobre o caso.
De facto, é plausível que os burlões tenham feito chegar às autoridades uma denúncia contra Pessanha. O T&Q procurou no site dos CTT pelo número de registo postal da queixa, visível nos vídeos de Blanca White, e confirma-se que tal número é de uma expedição entregue à Procuradoria-Geral da República a 8 de Março. A carta diz, segundo a última edição da revista Sábado, que Pedro Pessanha violou uma menor.
Ao mesmo tempo, os falsários têm enviado mensagens anónimas e de números de telemóvel com que inicialmente contactaram o T&Q, fazendo agora ameaças e usando frases difamatórias e jocosas. Uma dessas mensagens foi-nos remetida por Rui Fernando Assis Costa, suposto ‘pai’ da suposta vítima, dizendo que ao revelarmos a história na semana passada tínhamos “mordido o isco” — o que mostra bem que não há ‘pai’ nenhum nem preocupação alguma com uma pretensa menor violada.
O facto de ter sido uma espanhola falar deste assunto pela primeira vez é a chave do mistério. José Pedro Xavier Pereira, o principal burlão desta história, viveu em Badajoz há coisa de 20 anos e aí criou a empresa LP Brothers, que em 2005 lançou uma oferta pública de aquisição sobre a TVI. As autoridades prenderam-no precisamente em Badajoz e extraditaram-no para Portugal. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) multou Pereira e a LP Brothers em 150 mil euros, por falsas alegações. Ele recorreu, dizendo que alguém se teria feito passar por ele. Mas em 2011 o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa confirmou as conclusões da CMVM.
Pereira nasceu em Amboim, Angola, em Dezembro de 1970 e veio para Portugal ainda adolescente. O pai, António Pereira, foi pastor da Assembleia de Deus na Amadora e o filho chegou a ter as mesmas funções. Dizia-se doutorado em Teologia, cavaleiro-comendador do Império Britânico, assessor financeiro de empresas. Aliás, fez-se passar por assessor da TAP na compra da Varig e esteve por detrás do escândalo Megafinance, de burla e fraude com empresas insolventes.
Ainda hoje se apresenta como judeu e agente secreto da Mossad — daí que use o pseudónimo Yosef Cohen, o mesmo com que assinou durante anos ‘fake news’ em sites de ideologia extremista. Foi como Cohen que contactou o T&Q em inícios de Março, só por telefone, sem nunca dar a cara, para denunciar o deputado do Chega e fazer a ponte com os ‘familiares’ da ‘vítima’.
Entre a realidade factual e o mundo de fantasia de Pereira vai uma grande distância. Foi parar à Carregueira em 2011, com uma pena de 12 anos. Tem um “discurso elaborado, mas evasivo e cauteloso”, disseram os juízes da Relação em 2021. E já anda outra vez em roda livre.