DIRECTOR: BRUNO HORTA  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Secreta investiga ligações perigosas

Ao apresentar uma proposta superior em 20 milhões de euros à da atual concessionária, uma autêntica empresa de vão de escada ‘limpou’ o concurso de concessão de jogo no Estoril e em Lisboa. As campainhas de alarme soaram, e até a ‘secreta’ portuguesa já está em campo para descobrir quem afinal está por detrás de uma casa de apostas on-line de que não se conhecem donos nem caras
Gustavo Lynch

Uma misteriosa empresa, cujos verdadeiros donos ninguém sabe quem são, ganhou a concessão dos dois mais importantes casinos portugueses, numa operação que deixou os atuais concessionários e o governo português de cara à banda. Chama-se Bidluck, tem a sua sede em Collado de Contreras, um minúsculo município com 200 e poucos habitantes na província espanhola de Ávila, e opera discretamente no mundo virtual das apostas, tendo já sido referenciada na ilha de Curaçao, na Roménia, em Portugal (onde em 2020  obteve a respetiva autorização por parte do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos) e em Espanha, país em que os seus responsáveis garantem já ter explorado casinos e salas de jogo, embora não queiram especificar quais.

 

Collado de Contreras, uma aldeia na província espanhola de Ávila de pouco mais de 200 habitantes, onde a misteriosa Bidluck tem a sua sede

 

A notícia da vitória desta misteriosa Bidluck caiu que nem uma bomba junto da Estoril-Sol, atual concessionária, que com uma visível tranquilidade aguardava o resultado do concurso público internacional lançado pelo governo português para a concessão dos dois principais casinos no nosso país – isto especialmente após terem sabido há cerca de dois meses que um importante grupo de capitais malaios e singapurenses, após estudar o caderno de encargos, teria desistido de apresentar qualquer proposta aos casinos do Estoril e Lisboa.

 

Uma loja em Leiria

Se o surgimento de uma autêntica empresa de vão de escada em todo este processo é estranho, ainda por cima quando consegue derrotar um ‘gigante’ como é a Estoril-Sol, o que dizer então do aspeto da sede da filial portuguesa, que o Tal&Qual foi descobrir instalada numa pequena loja de um pátio interior do rés-do-chão do bloco A do Lote 21 da Avenida Adelino Amaro da Costa, em Leiria? Um pátio que alberga um pouco de tudo: um cabeleireiro, um escritório de mediação de seguros, um centro de estudos urológicos e até um suposto instituto que oferece cursos de superação e auto-hipnose. Ao canto desse pátio, por detrás de uma porta de vidros foscos que patentemente não veem água e detergente há uma eternidade, encontra-se uma pequena e austera salinha, apenas ocupada por uma mesa com cinco postos de trabalho e quatro computadores, e onde, à cabeceira, um funcionário digita furiosamente um teclado. Ao seu lado, na parede, um quadro preenchido com uns indecifráveis carateres sugere à primeira vista alguma cábula de programação.

 

É nesta pequena loja de um pátio interior de Leiria que está instalada a filial portuguesa da empresa que vai explorar os dois maiores casinos portugueses

 

Mas é exatamente aí, nessa minúscula e esconsa lojinha num pátio interior de Leiria, a dois passos do estádio da cidade, que a misteriosa empresa que irá deter a concessão da exploração das zonas de jogo do Estoril e de Lisboa, no mínimo durante os próximos 15 anos, tem a sua sede. Uma empresa de que não se conhecem donos, e de que o gerente português, um tal Jorge Manuel Galvão Miguel, foge de dar a cara, sabendo-se apenas que é igualmente gerente de duas outras empresas na zona de Leiria – a Iberoluck, com sede em Marrazes, e que se dedica à “produção, fabricação, montagem e comercialização de máquinas destinadas à prática de jogo”, e a Miguel&Ferreira, esta uma empresa de consultadoria com pouca ou nenhuma atividade referenciada.

O surgimento desta misteriosa empresa, e a forma inesperada como conseguiu derrotar a atual concessionária, caiu que nem uma bomba tanto dentro, como fora do setor das apostas em Portugal, dando azo às mais variadas especulações sobre quem de facto estará por detrás da Bidluck.

 

A pista angolana

O T&Q sabe que os próprios serviços de informações portugueses, comunidade sempre muito sensível ao negócio do jogo e a tudo o que se move em seu redor, segue atualmente algumas pistas relativamente aos verdadeiros donos desta empresa.

O primeiro nome que circulou em certos meios como estando por detrás da Bidluck foi o do empresário António Ferreira, antigo marido da cantora Mariza, e que durante anos teve fortes ligações a Angola, onde deteve alguns casinos em sociedade com o antigo ministro angolano Kundi Paihama, com quem se viria a incompatibilizar e a quem chegou a acusar de querer vê-lo morto. Ferreira, que após a morte do seu antigo sócio voltou a Luanda, onde recuperou alguns dos seus negócios, é apontado por muitos como sendo o ‘cérebro’ desta operação-relâmpago, nunca escondeu perante quem o rodeia que o seu maior sonho seria vir a tornar-se o dono do Casino Estoril, o que veio reforçar a tese de que poderia ser afinal o verdadeiro ‘patrão’ da Bidluck.

E o facto de o terreno na Avenida de Berlim, que é indicado na proposta da Bidluck como o local onde, em 36 meses, irá nascer a futura sede do Casino de Lisboa (recorde-se que o atual edifício na zona da Expo é propriedade da presente concessionária), ser propriedade de um angolano veio dar alguma força a esta tese. O T&Q tentou por diversas vezes entrar em contato com António Ferreira, mas sem qualquer sucesso.

 

A pista mexicana

Outra das pistas que a secreta portuguesa está a seguir é a chamada ‘pista mexicana’, e que supostamente envolveria o ‘Grupo Caliente’, o maior grupo mexicano na área das apostas, e que pertence a um dos irmãos Hank, mais concretamente ao controverso Jorge Hank Rhon, antigo alcaide da cidade fronteiriça de Tijuana, que já se viu envolvido em vários escândalos, nomeadamente a suspeita de ser autor moral do assassinato do jornalista Hector Felix Miranda, entre outras situações bem pouco recomendáveis.

Embora o mercado português de apostas nos casinos físicos seja considerado por especialistas do setor como “extremamente residual” (não chegou a faturar 200 milhões nos primeiros três trimestres deste ano, valor esse ainda inferior às receitas do período pré-pandemia), se comparado com outros mercados, o certo é que, para um operador extracomunitário, como é o caso do ‘Grupo Caliente’, seria uma excelente ‘porta de entrada’ no mercado europeu: “Seria uma ótima oportunidade para quem queira pôr um pé na Europa”, sublinha ao T&Q um velho conhecedor do negócio.

A poderosa família Hank, recorde-se, é a verdadeira proprietária do ‘resort’ CostaTerra, localizado na costa alentejana, na zona de Melides, megaempreendimento esse que, tal como o T&Q tem noticiado ao longo dos últimos meses, tem sido palco de alguma controvérsia na região. Proprietários de um verdadeiro ‘império’ no México (entre os quais o grupo Hermes, e o Banorte, o maior banco de capital mexicano), os descendentes de ‘El Profesor’, como era conhecido Carlos Hank González, um político mexicano que a série ‘Narcos’ da Netflix retratou como sendo um dos ‘padrinhos’ dos cartéis da droga daquele país, os Hank são representados em Portugal pelo escritório de Pedro Rebelo de Sousa.

 

O advogado ex-ministro

As especulações em redor de quem serão os verdadeiros donos da Bidluck são muitas, e apontam também para supostas ligações à Galiza por parte desta empresa de que pouco ou nada se sabe – apenas que possui um ativo de 550 mil euros…

Na semana passada, ao diário ‘Público’, Jesus Gutierrez, o diretor-geral da Bidluck em Espanha, garantiu que a sua empresa possui capacidade financeira suficiente para concorrer aos maiores casinos portugueses, justificando-o com a participação de um banco espanhol no financiamento dessa operação. Ainda que Gutierrez não tenha desvendado a identidade do banco que, segundo ele, ‘apadrinha’ a sua empresa nesta incursão pelos casinos portugueses, o que corre no setor é que esse banco poderia ser o Abanca, uma instituição bancária controlada pelo empresário hispano-venezuelano Juan Carlos Escotet, e que resultou da fusão da Caixa Galicia e da Caixanova, dois dos maiores bancos galegos.

Uma das poucas coisas que se sabe ao certo sobre a Bidluck é o escritório que representa os seus interesses na ‘corrida’ aos casinos do Estoril e de Lisboa – nada mais, nada menos, que o do advogado José António Pinto Ribeiro, antigo ministro da Cultura no último governo Sócrates, e antigo administrador, indicado pelo próprio Joe Berardo, da Fundação Berardo, empresário de quem chegou a ser advogado.