DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Trapalhadas à beira-mar

Depois das suspeitas que pairam sobre a legalidade da construção do campo de golfe inaugurado há dias em Melides, de que o T&Q deu eco na última edição, o CostaTerra está a tentar legalizar junto da Câmara Municipal de Grândola uma dezena de casas modulares de madeira destinadas a albergar convidados e clientes, como se de um centro de formação para os seus trabalhadores se tratasse…
Gustavo Lynch

Nas vésperas da inauguração do campo de golfe de 18 buracos, um evento reservadíssimo que juntou no CostaTerra perto de 250 convidados, na sua esmagadora maioria estrangeiros, e entre fortes medidas que visaram impedir o acesso de quem não possuísse o indispensável convite, pelo menos uma dezena das cerca de 40 casas modulares de madeira encomendadas à empresa Jular foram montadas numa verdadeira operação-relâmpago que teve lugar discretamente nos terrenos daquele ‘resort’. 

Os trabalhos de montagem e posterior decoração da dezena de casas com a tipologia T4 decorreram no habitual e estranho secretismo que tem rodeado tudo o que se passa para além dos portões do CostaTerra Ocean&Golf Club, especialmente desde que o Tal&Qual revelou, em finais de Abril passado, que afinal, em vez de um grupo norte-americano, aquele ‘resort’ pertencia a um poderoso clã empresarial mexicano, que possui alguns problemas de ordem reputacional, em grande parte pelo facto de esse  grupo ter sido fundado por Carlos Hank González, aliás ‘El Profesor’, um destacado político mexicano que a série televisiva ‘Narcos Mexico’ da Netflix retratou como estando, nas décadas de  80 e 90, estreitamente ligado ao  narcotráfico naquele país.

 

 

Driblar a lei

O secretismo que rodeou a instalação e montagem destas casas modulares tem certamente a ver com a forma como o CostaTerra se prepara para, ao arrepio da lei, e claramente driblando as normas em vigor, tentar licenciar as estruturas em causa, invocando e declarando para tal uma função distinta daquela para a qual se destinam. É que, segundo o que a própria Câmara Municipal de Grândola, a entidade a quem cabe autorizar a montagem, bem como emitir a licença de utilização daquelas casas modulares que estão a servir de alojamento a convidados e clientes do ‘resort’, afirmou ao T&Q, “encontra-se em fase de licenciamento a instalação precária de 10 módulos para funcionamento de um centro de formação profissional dos trabalhadores daquele empreendimento”…

Esta forma de contornar a lei poderá vir a causar fortes dissabores aos proprietários do CostaTerra, especialmente numa altura em que a autarquia tem dado alguns sinais no sentido de não facilitar na aplicação e cumprimento da lei. Aliás, o sinal dado em Fevereiro passado, quando Figueira Mendes, o comunista que preside à Câmara de Grândola, decidiu suspender o PDM, deixa antever que a autarquia poderá não estar disposta a deixar-se envolver em alguma ‘nuvem’ de suspeitas em que alguns setores ambientalistas a tentaram enredar. Uma fonte local, ouvida pelo T&Q, garante não acreditar que a autarquia deixe passar em branco o ardil urdido pelo CostaTerra para tentar legalizar as casas modulares: “Nem a Câmara, nem o próprio presidente, podem fechar os olhos perante tamanha ilegalidade”, refere.

Outro tema que também tem levantado alguma polémica na região prende-se com a proibição, imposta pelo CostaTerra, de entrada para além dos portões do empreendimento – uma medida que é unanimemente considerada como “ilegal”, mas que é mantida perante a passividade das autoridades. Um advogado consultado pelo T&Q foi claro na apreciação que faz da situação: “É inadmissível o que se está a passar no CostaTerra. Em nenhuma circunstância pode ser vedado ou proibido o acesso de quem quer que seja às ruas que cruzam o empreendimento, que apesar de terem sido construídas pelos promotores, se encontram em domínio público”. 

 

Diligência junto da PJ

O ‘sururu’ provocado pela primeira reportagem do T&Q, em finais do passado mês de Abril, foi de tal ordem que o próprio presidente da Câmara Municipal de Grândola, que até aí acreditava piamente que os donos do megaempreendimento eram os norte-americanos da Discovery Land, tomou as suas precauções, remetendo para a Polícia Judiciária a informação que tinha lido no nosso jornal. Segundo uma resposta da própria autarquia ao T&Q, apesar de, tanto a Câmara Municipal de Grândola, como o seu presidente garantirem “não emitir juízos de valor sobre a idoneidade dos investidores que escolhem o concelho para desenvolverem os seus negócios, quando se suscitam suspeitas públicas sobre qualquer entidade que se relacione com a autarquia, essas mesmas suspeitas são remetidas para as autoridades competentes de investigação”, justificando assim a diligência efetuada junto da PJ.

Outro dos calcanhares de Aquiles do CostaTerra prende-se com a dificuldade de esclarecimento por parte das entidades que emitiram as declarações de impacte ambiental (DIA), obrigatórias por lei, para a construção do campo de golfe. Ao T&Q, Carmen Carvalheira vice-presidente da CCDR Alentejo, declarou que “no processo existem dois campos de golfe, mas só um avançou”. Indefinição também demonstrada quando quisemos saber qual dos dois campos de golfe tem “parecer favorável mas condicionado” na DIA de 2012, que caducou em 2014. Esta situação, que pode determinar a ilegalidade do licenciamento do campo, “pode depender das circunstâncias”. E as “circunstâncias” podem ter sido definidas entre o promotor e a Câmara, explicou a vice-presidente.

Por outro lado, após a publicação da referida primeira reportagem, as instruções dadas pelo CostaTerra aos seus funcionários não podiam ter sido mais claras: “É rigorosamente proibido fornecer alguma informação sobre o que aqui se passa a quem quer que seja”, foi a mensagem que então foi transmitida, ao mesmo tempo que se realçava a proibição de serem tiradas fotografias ou feitos filmes sobre o empreendimento. 

 

Um visível mal-estar 

Entretanto, o T&Q sabe que no seio da família Hank há quem já torça o nariz a certas atitudes que são tidas como ‘megalómanas’ por parte dos homens da Discovery Land, nomeadamente do irlandês John Dwyer e de Steve Adelson, que são os ‘homens de mão’ de Mike Meldman, o americano que é o dono daquela companhia-bandeira. A recente estada entre nós de Alberto Pérez Friscione, um dos principais ‘braços-direitos’ na área financeira de Carlos Hank Rhon, filho do célebre ‘El Profesor’, e hoje a principal ‘cara’ do clã, não terá sido propriamente uma visita marcada por um agradável ‘chá e simpatia’, mas sim, antes, segundo corre nos meios imobiliários, sublinhada por um certo ambiente de tensão, pese a aparente boa-disposição que o citado Pérez Friscione e Dwyer mostraram publicamente, nomeadamente na visita que fizeram juntos à Quinta do Lago em meados do mês passado.

Dias antes, a inesperada demissão de João Carlos Pinto Coelho, o conceituado gestor, com longa e reconhecida carreira no Millennium bcp, que ocupava o lugar de CFO no CostaTerra tinha caído que nem uma bomba nos escritórios que a empresa possui no terceiro andar da Torre das Amoreiras, em Lisboa, e onde Pinto Coelho partilhou, até há poucas semanas, gabinete com Teresa Peña, a ‘controller’ destacada para a capital portuguesa pelos Hank: “Quem o conhece, a ele e à forma rigorosa como trabalha, não pode interpretar a sua demissão como um bom sinal”, adiantou ao T&Q alguém que conhece bem os meandros e bastidores da operação.

Outro dos ‘dossiers’ que muitos garantem opor os Hank aos norte-americanos da Discovery Land tem a ver com as questões relativas à comunicação. Enquanto os mexicanos, em grande parte devido ao passado do grupo, sempre optaram pela discrição, já os norte-americanos defendem uma estratégia distinta, e em vez do silêncio preferem uma ‘avalanche comunicacional’ como a que têm ensaiado nos últimos tempos, colocando na imprensa um pouco por esse mundo fora notícias que dão como certa a compra de casas por parte de figuras de proa da atualidade que supostamente foram vistas na zona da Comporta, como foi o caso do milionário Jeff Bezos, o dono da Amazon, do ator George Clooney, da antiga modelo Gisele Bundchen e do seu marido, o jogador de futebol americano Tom Brady, da ex-miss Europa, a alemã Shermine Shahrivar, entre outros. Ou então, através da anunciada contratação de Jack Brooksbank, o marido de Eugenie de York, uma das netas da rainha Isabel II, ou a do surfista Garrett McNamara, que vai dar o nome à escola de surf do CostaTerra que será inaugurada brevemente na costa alentejana.

 

Casas modulares de madeira: como ‘fintar’ as regras…

Ao atestar que as 10 casas modulares em madeira que já estão montadas nos terrenos do empreendimento de Melides se destinam a um centro de formação profissional para os seus trabalhadores, escondendo assim que se destinam, isso sim, a serem ocupadas por clientes e convidados, o CostaTerra tenta assim ‘fintar’ a obrigatoriedade de pedir o licenciamento de infraestruturas junto da autarquia, condição essencial para que venha a ser passada a indispensável licença de habitação e utilização: “O processo de licenciamento deste tipo de casas é sempre tratado como se de uma construção normal se tratasse”, afirmou ao T&Q um especialista em licenciamento urbanístico.

Na opinião deste jurista, há casos em que, em situações semelhantes, foi invocado que as casas se tratavam de estaleiros de obras ou até mesmo de casas para apoio à exploração agrícola, a ponto de os proprietários argumentarem que necessitavam de “uma divisão para reserva de sementes, outra para guardar máquinas agrícolas, outra para animais e ainda outra para apoio de materiais a árvores de fruto”. Resultado: uma casa tipologia T3 pronta a usar, mesmo que esteja legalizada como se fizesse parte de uma exploração agrícola…

Até esta altura, o CostaTerra, enquanto aguarda o licenciamento da Câmara de Grândola para a instalação precária das casas modulares, já implantou 10 unidades, todas elas mobiladas e decoradas a preceito. Que rico centro de formação profissional…