Era uma vez uma pequena firma de comunicação e relações públicas. O fundador, Luís Paixão Martins, uma carreira na rádio e no jornalismo, chamou-lhe simplesmente LPM. Estávamos no verão de 1986. O país recuperava lentamente de uma grave crise financeira que, três anos antes, o deixara na banca rota e a bradar por socorro do Fundo Monetário Internacional. O garrote imposto pelos credores começou a afrouxar nas goelas dos portugueses — e em 1986, ainda no primeiro governo de Cavaco Silva, minoritário, já se respirava melhor. Luís Paixão Martins fundou a sua LPM. Parecia ele que adivinhava.
Um ano depois, Cavaco Silva alcançou a maioria absoluta. O país tinha, por fim, o que nunca experimentara: estabilidade política e, principalmente, dinheiro a rodos dos fundos comunitários que começavam a chegar. Os negócios borbulhavam. As grandes empresas de construção mexiam-se. As obras públicas eram arrematadas. A banca iria ser privatizada. Portugal era um mar de oportunidades para uma firma de comunicação e de relações públicas — e Luís Paixão Martins estava de barca aparelhada com a sua LPM para aproveitar essa torrente de contratos.
Hoje, quase 37 anos depois, a LPM já não é uma pequena empresa familiar a fazer pela vida num tanque de tubarões. É o tubarão maior e implacável entre a concorrência.
Luís Paixão Martins, 69 anos, cresceu tanto que é senhor de um universo de meia dúzia de empresas da área da comunicação e relações públicas tuteladas por duas sociedades gestoras de participações sociais, a Mood Marketing e a Flat Marketing, que só em três anos, de 2019 a 2021, faturaram 36 milhões e 161 mil euros, segundo relatórios oficiais consultados pelo Tal&Qual. O navio almirante desta cintilante frota empresarial é a velhinha LPM Comunicação — hoje, uma sociedade anónima totalmente participada pela Flat. Só ela pescou metade daquela faturação global: 18 milhões e 100 mil euros — boa parte por serviços prestados a instituições públicas.
Rico negócio
O império Paixão Martins ataca voraz negócios públicos com o mesmo apetite de um gato a lambuzar-se de bofe. A refulgente carteira de clientes, além das companhias privadas, inclui serviços do Estado, institutos, universidades, autarquias, empresas municipais. Nada lhe escapa — ou quase nada. Desde finais de 2008, quando o rol da contratação pública passou a ser publicamente escrutinado — no sítio eletrónico base.gov —, até 28 de março deste ano, foram celebrados 209 contratos com serviços públicos — mais de metade por ajuste direto (sem concurso público).
Os números são de arregalar o olho a qualquer banqueiro. As nove firmas com a marca de Luís Paixão Martins faturaram oito milhões e 530 mil euros ao Estado. Destacaram-se a LPM Comunicação, que arrecadou 5 milhões e 300 mil euros, e a Nextpower, com dois milhões e 100 mil euros. O último contrato foi assinado entre a LPM e a Junta de Freguesia do Lumiar, presidida pelo social-democrata Ricardo Mexia, no valor de 30.360 euros, para fornecimento de “ferramentas de comunicação e serviços de apoio à comunicação externa e interna”.
Um mês antes, em fevereiro, António Costa, aflito com os ‘casos e casinhos’ que manchavam a reputação do Executivo, pediu ajuda à valiosa LPM. Os dois especialistas em comunicação ainda recentemente contratados para o gabinete do chefe do Governo, João Cepeda e João Morgado Fernandes, pelos vistos não dão conta do recado, tantas são as ‘más notícias’ para o primeiro-ministro. A LPM foi em seu socorro. O amparo tem um preço: oito mil euros por mês durante oito meses — pagos pela secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros.
Reforma interrompida
Luís Paixão Martins, o construtor deste universo a partir da tímida LPM de há quase 37 anos, reformou-se. Vendeu tudo ao filho, João Filipe. Trocou o fato e a gravata pela roupa casual de andar no campo — e instalou-se na Herdade do Clube de Tiro de Monfortinho, terras que comprou ao Grupo Espírito Santo. Transformou a propriedade numa luxuosa estância hoteleira. Mas o remanso após uma agitada vida de negócios foi interrompido por um telefonema de António Costa. Só o primeiro-ministro, que Paixão Martins conhece há mais de 40 anos, para o resgatar deste autêntico paraíso beirão.
Costa desafiou-o para o ajudar na campanha eleitoral de janeiro do ano passado — e o especialista em comunicação e relações públicas não teve coragem para lhe dizer que não.
Já tinha no currículo a primeira maioria absoluta de esquerda (José Sócrates, em 2015) e a eleição do primeiro candidato de direita à Presidência da República (Cavaco Silva). Talvez conseguisse gravar mais uma marca na coronha da arma de campanha. O tiro ao principal adversário na guerra eleitoral, Rui Rio, parecia-lhe perfeitamente ao alcance. Foi o que se viu. A campanha rumo à maioria absoluta ainda manquejou e as hostes socialistas desanimaram. Mas, quando tudo parecia perdido, ei-la, a maioria absoluta — mais uma para a coleção. Terminada a campanha vitoriosa, Luís Paixão Martins não regressou aos dias tranquilos de Monfortinho. Continua ao serviço do PS. Missão: dar boa imagem do partido para evitar a debandada do eleitorado. Não será fácil…
Luís Paixão Martins começou na rádio, nos finais dos anos 60, na pequena estação radiofónica do velho Liceu Camões, em Lisboa, onde estudou. Só se profissionalizou em 1971, aos microfones da Rádio Renascença. Ainda não era jornalista. Apenas locutor: apresentava programas.
Sentou-se pela primeira vez à frente de uma máquina de escrever, como jornalista, em 1975, na redação do Jornal Novo — vespertino financiado pela Confederação da Indústria Portuguesa, dirigido por Artur Portela Filho, por onde passaram nomes maiores do jornalismo como Mário Mesquita, Mário Bettencourt Resendes, Jorge Morais, José Luís Feronha, Diogo Pires Aurélio, Carlos Plantier, José Manuel Barroso, entre outros.
Paixão Martins abandonou o Jornal Novo em 1976, quando a direção foi entregue a Daniel Proença de Carvalho. Mudou-se de armas e bagagens para a agência noticiosa pública ANOP. Voltaria aos microfones, em 1979, quando foi lançada a Rádio Comercial. E de novo regressou à escrita, em 1985, na agência Notícias de Portugal. Não se demorou muito tempo por aqui. Abandonou de vez o jornalismo, um ano depois, para criar a empresa de comunicação e relações públicas – a sua LPM.
Tornou-se no ‘guru’ do marketing político em Portugal. Estudou a arte e tem livros publicados sobre o assunto. Talvez os seus primeiros momentos de glória tenham sido nas longínquas autárquicas de 1997: de uma assentada, Luís Paixão Martins, conseguiu pôr fim ao domínio do Partido Comunista na Câmara da Amadora, elegendo o candidato socialista Joaquim Raposo, e deu a maioria absoluta a Edite Estrela, em Sintra. A noite da vitória eleitoral foi toda dele.
Não é um político, nem trabalha por dedicação partidária. É um profissional — que se faz pagar por aquilo que sabe. Tem sido um fazedor de autarcas e de chefes de Governo, até já fez um Presidente da República. António Costa conta com ele. Mas as partes gagas do Governo têm sido tantas que só um milagre o poderá salvar — e Luís Paixão Martins, que se saiba, não é nenhum santo.