DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

Uma Lisboa que envergonha

A fotojornalista Diana Quintela observou as traseiras da cidade e captou cenários de pobreza e exclusão. Esta é a capital que não aparece nas redes sociais e nem serve para chamar turistas
Tal & Qual

O incêndio de 4 de Fevereiro num velho prédio da Rua do Terreirinho, na Mouraria — que provocou a morte de um miúdo de 14 anos e de um homem de 30, ambos indianos, além de ter deixado 22 pessoas desalojadas — voltou a chamar a atenção para os graves problemas sociais que existem no país e em particular na cidade de Lisboa.

A “inclusão”, a “diversidade” e outras palavras da moda, tão usadas por comoventes personagens, não resolvem os problemas dos pobres. E as autoridades também não. O prédio que ardeu albergava argentinos, indianos, paquistaneses, nepaleses — muitos deles em apartamentos de alojamento local que, segundo o Expresso, não tiveram desde 2017 as necessárias vistorias da Câmara de Lisboa.

A este episódio junta-se o espancamento de um imigrante nepalês em Olhão por parte de um grupo de portugueses a 25 de Janeiro. Mais as tristemente célebres condições de escravatura nas estufas e explorações agrícolas da costa alentejana, de que são vítimas pelo menos seis mil indianos, nepaleses, bangladeshianos, paquistaneses.

Acumulam-se tragédias ao virar da esquina. Na capital do país, à margem de roteiros turísticos e de fotografias do Instagram, esconde-se uma Lisboa que envergonha e que ninguém quer ver.

A cidade prepara-se para gastar mais de 200 milhões de euros na Jornada Mundial da Juventude. É escolhida por ‘nómadas digitais’ que se fixam em troca de chorudos benefícios fiscais. Está atulhada de turistas à procura do ‘brunch’. Mas é também a Lisboa da exclusão, dos sem-abrigo, do lixo acumulado a céu aberto, dos bairros da lata camuflados na paisagem, dos toxicodependentes que vasculham restos nos contentores. É a Lisboa onde um imigrante que faz entregas de comida ao domicílio se obriga a viver com mais sete pessoas num T2 do Cacém por 900 euros sem recibo, como contou um paquistanês de 35 anos que o Tal&Qual encontrou junto ao centro comercial Colombo.

Durante quatro dias, percorremos as ruas da capital e testemunhámos cenários de exclusão. Da Mouraria a Chelas, da Almirante Reis até à Graça, da Avenida da Liberdade a Santa Apolónia. Está tudo às escâncaras.