DIRECTOR: MANUEL CATARINO  |  FUNDADOR: JOAQUIM LETRIA

O Algarve aqui tão longe…

Este verão há mais espaço para estender a toalha a sul do país. Os efeitos da inflação e da subida das taxas de juro podem explicar a debandada de turistas portugueses e espanhóis. A estação ainda vai a meio e os números oficiais só chegam mais tarde. Mas os responsáveis
Isabel Laranjo

Filas mais pequenas para fazer compras no supermercado ou entrar na marina de Vilamoura. O cenário no Algarve, este verão, está diferente do das épocas áureas em que, para tudo, era preciso esperar muito. Os restaurantes da região também têm mais tempo para atender os clientes e podem vir a ser os principais prejudicados pela baixa no número de turistas, sobretudo portugueses e espanhóis. “Muitos clientes comem um bom pequeno-almoço no hotel, depois almoçam uma refeição ligeira e só jantam. Outros nem jantam fora porque estão em regime de meia-pensão”, explica Hélder Martins, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA).

A diminuição do número de portugueses deve-se à má situação económica do país e ao aumento das taxas de juro, entende Hélder Martins. “Com o aumento da prestação da casa, muitas pessoas optam por não fazer férias”, conclui. Outras são desviadas para destinos que estão mais baratos, ao longo de toda a bacia mediterrânica. “Por exemplo, em Espanha os preços estão mais baixos tanto na costa como nas ilhas, assim como na Grécia”, adenda o presidente da AHETA. Assim sendo, há também menos espanhóis no Algarve. Acabam por não atravessar a fronteira.

 

Albufeira, o oásis do turismo

Ingleses e alemães estão a vir muitos, mas só para Albufeira. No resto do Algarve nem tanto. “Albufeira é um caso muito particular porque temos todo o género de turistas e de oferta, desde o melhor hotel de cinco estrelas ao alojamento local mais barato. Dá para tudo”, explica Cristiano Cabrita, vice-presidente da autarquia. Ainda assim, Cabrita dá conta de que parece haver menos turistas do que em anos anteriores, quando as sombras negras da crise não assolavam toda a Europa. “Este ano temos inflação em Inglaterra, problemas económicos em França e na Alemanha, e é natural que isso se reflita no turismo. As pessoas acabam por vir menos até porque os preços, em Portugal, aumentaram. De qualquer das formas, Albufeira está cheia”.

Menos sorte têm outras regiões algarvias. Que o diga Pedro Pires, de 43 anos, proprietário do restaurante Muxama, em Monte Gordo. O fecho de um grande hotel naquela localidade contribuiu ainda mais para a debandada de turistas. “Tinha cerca de 400 quartos e fechou na Páscoa para obras. Com menos alojamento, há menos turistas nesta zona”, observa. O empresário reforça que os portugueses — aqueles que ainda passam férias por aqui — “têm menor poder de compra e estão mais comedidos”. “Um cliente que, no ano passado, vinha duas ou três vezes por semana ao meu restaurante agora vem só uma ou duas vezes. Além disso, dividem mais as doses, para ficar mais em conta”.

 

Corte nos funcionários

Espanhóis também há menos e com menos euros na carteira. “Espanha está a viver um período de muita instabilidade. E também vemos menos ingleses e alemães. Não lhe sei dizer com precisão, mas noto menos 25 a 30% de clientes destes países, porque por lá também estão com a corda na garganta”, reforça Pedro Pires.

No restaurante Muxama o cardápio mantém-se, mas os preços aumentaram. Tudo a cavalo da inflação. “Tive que fazer um ajuste nos preços porque, além do efeito da inflação, os juros ao banco estão mais caros, o ordenado mínimo aumentou e todas as contas estão mais caras, como a água, a eletricidade e o gás”.

O estabelecimento de Pedro Pires tem capacidade para cerca de 100 clientes e dá emprego a 14 pessoas. Em agosto costuma reforçar o número de funcionários, mas este ano isso não irá acontecer. “É preocupante porque vivemos do turismo e da época de verão. Estava a pensar recrutar mais três ou quatro empregados para agosto, mas não vou fazê-lo. Os que tenho, mesmo que venham mais alguns turistas, chegam”.

 

Férias são “supérfluas”

Em Olhão, os problemas são idênticos. “Ouço pessoas da restauração e da hotelaria a queixarem-se de que este ano não está igual aos outros e alguns consideram que têm menos faturação que no ano passado”, nota António Miguel Pina, presidente da Câmara Municipal. “Sei que abril e maio foram meses bons e agora ainda não é possível fazer um balanço do verão. Certo é que há sinais de alerta, há uma preocupação com o efeito da inflação e do aumento das taxas de juro. Não sabemos até que ponto é que estes problemas reduzem o poder de compra das famílias e a sua capacidade para fazerem férias”.

Hélder Martins, da associação dos hoteleiros, reforça: “As pessoas quando estão em dificuldades cortam no que não é essencial. Se estão preocupadas em pagar a casa, cortam nas férias, que são consideradas supérfluas”.  Por isso, agosto a sul já não é o que era. “Antes dizia-se que no mês de agosto era impossível estar no Algarve porque as pessoas não tinham lugar para estender a toalha na praia. Este ano não tem sido assim”.

Além dos portugueses e espanhóis, também parece haver menos turistas de outros países europeus. “A Alemanha está em recessão, na Inglaterra há uma grande crise. Muitos ingleses e alemães viajam para o Algarve em companhias ‘low-cost’. Sucede que essas viagens são reservadas com muita antecedência — para ficarem mais baratas — e depois a reserva não pode ser cancelada. Eles compram as viagens, mas na altura do ‘check in’ não aparecem. Resultado: os aviões quando aterram vêm com 10% dos lugares vazios”.

 

Qualidade e quantidade

Com portugueses e estrangeiros a ficarem no ninho ou a voarem para outras paragens, Hélder Martins, que ao mesmo tempo é proprietário de um pequeno hotel com 28 quartos — a Quinta do Marco, na zona de Tavira — aposta em fidelizar os que chegam ao Algarve, sobretudo da classe média e média-alta. “Ainda na semana passada fiquei com um quarto vazio e não fui a correr para as plataformas online vender o quarto à última hora. Assim, os empregados não tiveram de andar à pressa a preparar o quarto e ficaram com mais tempo e disponibilidade para os hóspedes que já tínhamos. Desta forma, consigo oferecer um melhor serviço e fazer com que estas pessoas acabem por voltar noutra altura”.

A promoção do Algarve, enquanto destino de férias, é outra questão. “Albufeira tem feito uma campanha promocional que os outros concelhos não fizeram”. Neste caso, Hélder Martins aponta, ainda, o dedo ao Turismo do Algarve. “A região de turismo do Algarve não tem orçamento para fazer a promoção que fazia. Seria muito importante, por exemplo, ter feito uma campanha promocional para o turismo interno, que não houve”.

Isilda Gomes, presidente da Câmara de Portimão, revela o que lhe tem sido feito constar. Que até maio as coisas “estiveram muito bem” e que desde então se nota “uma descida”, sobretudo menos portugueses. “O poder de compra é inferior para algumas pessoas que costumavam escolher este destino e os preços nesta zona aumentaram” comenta Isilda Gomes, que para já fala apenas numa “pequena crise”.